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sábado, 29 de janeiro de 2011

Primeiras impressões do governo Dilma Rousseff: falam os historiadores

Dilma Rousseff durante reunião ministerial
Rio de Janeiro - Por Carlos Fico


É sempre muito grande a expectativa em relação aos novos governos e, por isso mesmo, duas “pautas” jornalísticas são obrigatórias nesses momentos: a análise das primeiras medidas e o marco simbólico dos “100 dias”. Como avaliar o início do atual governo, passados apenas alguns dias da posse da nova presidente? Esses primeiros dias de Dilma Rousseff distinguem-se dos primeiros momentos da maioria dos presidentes que a antecederam na história do Brasil recente pelo fato de não vivermos uma crise econômica e/ou política.

O regime militar, por exemplo, foi sacudido por crises do início ao fim, começando com o golpe em si e, em 1966, a primeira crise de sucessão, já que Castelo Branco não queria Costa e Silva como sucessor, mas teve de admiti-lo. O novo general iniciou seu governo tendo de enfrentar a impopularidade causada pelas medidas recessivas da dupla Campos e Bulhões, ministros do Planejamento e da Fazenda do governo anterior. Tendo sofrido um derrame, Costa e Silva não foi substituído pelo vice-presidente, já que os ministros militares deram um novo golpe e assumiram o poder. Quatro dias depois, essa junta militar teve de lidar com o sequestro do embaixador dos EUA. Foi sucedida por Médici, que teve um início tranquilo, mas governou sob a égide do AI-5 e tornou-se conhecido como o mais repressivo dos generais. Geisel teve de enfrentar a crise do petróleo e Figueiredo, no início de seu governo, tentou adotar um perfil popular, mas terminaria seu mandato como um dos mais impopulares presidentes de nossa história.

O início da Nova República foi impactado pela morte de Tancredo Neves e, de certo modo, é até difícil determinar quando foi o início do governo Sarney, que assumiu como vice-presidente, marcado pela interinidade e pelo fracasso econômico. As primeiras medidas de Collor, primeiro presidente eleito desde 1960, que pretendia acabar com a inflação de um golpe só, foram arrogantes, ilegais e confusas. Outro vice-presidente, Itamar Franco, também demorou a assumir de fato: no início de seu governo, teve ministros da Fazenda que permaneceram no cargo alguns poucos meses. FHC assumiria com o Plano Real, mas no início de seu segundo mandato teve de alterar o regime cambial. Logo após a posse de Lula, em 2003, o Banco Central teve de aumentar a taxa de juros para 25,5% para acalmar o mercado financeiro.

Portanto, Dilma Rousseff inicia seu mandato em um cenário de relativa tranquilidade. Um aspecto interessante a se observar é o seguinte: sendo uma “criatura” de Lula, a nova presidente adotará as mesmas políticas de seu mentor ou buscará distinguir-se? Alguns gestos iniciais parecem indicar que a nova presidente deseja marcar logo sua própria singularidade. As declarações sobre o Irã, sobre as mulheres, o “pito” no general Elito, a demanda para que as Forças Armadas façam um mea-culpa em relação à ditadura militar, a busca de aprovação para a Comissão da Verdade como política de governo e não apenas de um ministério e assim por diante. Além disso, Dilma deverá ser uma presidente que lê relatórios, cobra e administra.

Consultei alguns historiadores brasileiros – de posições políticas diferenciadas – sobre esse tema. Nem mesmo a sempre mencionada imagem de administradora de Dilma Rousseff é vista consensualmente. Marco Antonio Villa (UFSCar) tem uma visão bastante crítica: “Saímos de uma presidência espetáculo para uma presidência clandestina”. Villa entende que a imagem de Dilma como administradora eficiente é uma encenação: “Basta acompanhar a tragédia da região serrana fluminense e a ausência (que vêm do governo Lula, quando ela era uma espécie de primeiro-ministro) de projetos de prevenção através dos ministérios da Integração Nacional, Cidades, entre outros.”

Villa tem insistido em um ponto, a “inexistência” da oposição: “Como não temos oposição (os 44 milhões que votaram no candidato oposicionista devem ter confundido as fotos e achado que o Serra era a Dilma), a tragédia parece simplesmente um problema natural (Deus não deve ser mais brasileiro)”.

O historiador Manolo Florentino (UFRJ), que não votou em Dilma, diz “torcer muito” pela nova presidente. Ele considera que a dimensão simbólica da eleição de uma mulher é muito importante por causa do machismo brasileiro: “Homem brasileiro não gosta de ser mandado por mulher”. Para ele, a condição de mulher significa, simultaneamente, um trunfo – em função da ruptura com a tradição arraigada –, mas também um desafio: “Ministros (homens) relataram a jornalistas (homens) detalhes de reuniões que deveriam permanecer em sigilo: são machões que não obedecem”. Refletindo sobre a condição humana, Manolo cogita sobre a “burrice e covardia dos homens”, que os tornariam perigosamente singulares. Nesse sentido, as mulheres não seriam tão imprevisíveis. Para Manolo, o perfil de gestora da nova presidente pode ser uma vantagem, em função dos 500 anos de desmandos, mas não pode ser lido como uma inapetência política: “O cargo é político, desempenhado por uma mulher, que não pode ficar conhecida como a ‘mulher do Lula’. Ela é sobretudo gestora, mas sempre há tempo para aprender a ser política”.

Cesar Guazzelli (UFRGS) tem alguma proximidade com a trajetória da nova presidente. Seu pai, Eloar Guazzelli, foi advogado de presos políticos e defendeu o ex-marido de Dilma Rousseff, Carlos Araújo, além de Tarso Genro e Olívio Dutra, entre outros. Guazzelli preocupa-se com o tipo de oposição que Dilma enfrentou e vai enfrentar. “O discurso da direita me lembra muito o pré-64, com uma demonização que eu não via há tempos”, diz. “Parece uma ressurreição da velha UDN! Adjetivos como enganadora, despreparada, oportunista, terrorista, criminosa não faltam nem faltarão”. Guazzelli acha que Dilma é bem mais do que apenas “o cavalo do comissário”, mas, tal como Lula, Dilma não tomará medidas radicais, “o que desarmará um pouco mais as oposições vindas da ultra-esquerda.”

Para Daniel Aarão Reis (UFF), Dilma enfrenta dois desafios: “a da sombra do ex-presidente e a da realidade da heterogênea e gulosa ‘base’ política que lhe deu precioso tempo na TV, apoio na campanha eleitoral e, agora, sustentação política no Congresso”. Daniel identifica a marca de gestora da nova presidente (“a primeira reunião ministerial, pontilhada de computadores, atesta a proposta de um novo caminho: menos conversa fiada, mais trabalho, e resultados práticos, objetivos”), mas lembra que, para encarar os desafios, “não bastam apenas computadores e competência gestionária, mas capacidade de fazer escolhas e liderança política para conduzir o governo. E o caminho, necessariamente, haverá de ser feito com Lula e a referida base política”.

Atila Roque (INESC) chama a atenção exatamente para o suposto despreparo político de Dilma Rousseff: “Acho que se engana enormemente quem supõe que a presidenta Dilma não tem ‘experiência política’ e vai se concentrar na dimensão ‘gestora’ do cargo. A impressão de uma presidenta que fala pouco somente se justifica quando comparada a um presidente que, talvez, falasse um pouco demais. Mas acho que isso faz parte de um processo necessário de entrada do país em algo que poderíamos chamar de rotina republicana, onde são várias e plurais as vozes na esfera pública e a presidência, como o poder mais alto, deve cuidar para se fazer ouvir sem sufocar as demais”. Para Atila, “as declarações sobre a necessidade de trazer à luz sem restrições os documentos e a memória da repressão, a ênfase nos direitos humanos nas relações internacionais e nas desigualdades sociais sugerem que ela tem uma agenda positiva.”

José Murilo de Carvalho (UFRJ e ABL) diz que, apesar de ser criatura de Lula, “Dilma é sua antítese em termos de personalidade e estilo de comportamento. O início de seu governo o comprova. Em contraste com os fogos de artifício e bravatas de Lula, ela quase não tem falado. Os maldosos dizem que é porque não tem o que dizer. Desconfio que não seja verdade, afinal ela teve experiência em posições importantes do governo Lula e nas poucas coisas que disse mostrou ideias próprias e, a meu ver, melhores do que as de Lula. Se conseguir sobreviver à feroz luta clientelista dentro do PT e entre o PT e os aliados, e pôr em pratica seu talento operador, poderá ser um avanço em relação a Lula. Poderá fazer um bom governo sem recurso a carismas e populismos. A República ganhará.”

Fonte: Brasil Recente

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