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domingo, 9 de janeiro de 2011

O Feminismo Cristão e a proibição religiosa do aborto como manutenção da monogamia

INTRODUCÃO
Historicamente, o cristianismo só teve a interrupção da gravidez como um “pecado menor” quando economicamente a reprodução intensiva não possuía tanta importância dentro do modo de produção econômico. Será que seria função das escravas/trabalhadoras produzirem mais escravos/trabalhadores? Mas reduzir todo este complexo conjunto de proibições a questão econômica seria muito fácil, não duvidamos que esta constitua sua base original, porém não iremos negligenciar suas particularidades¹ de gênero. Se desejar se aprofundar sobre as funcionalidade da maternidade para o sistema economico capitalista click no link marxismo ou leia o texto da série "A ideologia das diferenças entre os sexos 3".

As religiões, a morte e suas contradições

“A vida termina onde o ‘Reino de Deus’ começa”
Friedrich Nietzsche

A morte institucionald@s outr@s nunca foi problema para o patriarcado e nem para as religiões. Elas sempre exaltaram o sofrimento, como redenção, e a morte, como salvação. Somos boas o bastante para sermos mulheres-bomba, fortes o bastante para morremos no parto, boas o bastante para que um Estado protestante estadunidense nos condene a morte ou para que a Igreja Católica venha nos queimar, tudo isso em nome da fé. Mas por que nunca somos boas o bastante para decidimos quando, como e si devemos ou não engravidar?
Por que será que para uma mulher judia, só com a autorização do rabino é que se permite interromper a gravidez, mesmo que o fruto desta gravidez seja de um estupro nazista? E se o estuprador for seu marido? E se ela pura e simplesmente, por vontade própria, não quiser o filho? Onde estará a liberdade que proclamam de livre-arbítrio?
Sem nenhuma liberdade, as religiões dos patriarcas denominam que interromper a gravidez é um ato da mais completa ignorância. Mas ora bolas, desde quando ter fé é uma questão de racionalidade? Como podem então impetrar uma guerra tão inteligentemente articulada, em lobbies políticos e semânticas filosóficas, ao impedimento de uma gravidez? Não seria função das religiões tranqüilizarem as mães sobre o destino do embrião interrompido? Só quando lhes interessa.
Se instituíram para si a função de oferecer respostas para a angústia que a morte causa, se as próprias religiões patriarcais se tornaram conhecidas por seu histórico combate contra a “inteligência” em defesa dos “pobres de espírito”, se sabemos que a religiosidade deve buscar a paz de espírito aos alentados, qual seria a explicação para tentarem nos distrair com o “direito a vida?

As mulheres como perigo social
A castidade, o casamento e a maternidade deixam as mulheres menos perigosas para a sociedade dos machos. Com estas instituições somos convertidas em animais dóceis. O negócio é que devemos seguir ordens e não questioná-las. Manter vivo o zigoto é mais importante do que preservar a sanidade ou a vida de uma mulher, por que o zigoto pode vir a ser “meu filho” dizem os machos, e assim não cabe a nós qualquer questionamento sobre isso.
O “senso comum”afirma que se descriminalizar a interrupção da gravidez, as mulheres vão banalizar o aborto, “temos que preservar a vida”. Mas ora bolas – com a infâmia deste grotesco trocadilho, nunca vimos campanhas tão violentas pelo fim da masturbação masculina, ou os sacerdotes não sabem que espermatozóides também são seres vivos? Até onde sabemos, nossa masturbação não mata óvulos, porém é muito mais reprimida.
Os “aperfeiçoadores religiosos da humanidade” citam a abstinência sexual e a maternidade como os principais caminhos do aprimoramento moral das mulheres. Mas o que realmente querem é nos enfraquecer física e mentalmente. Seu lema é “vigiar e punir”. Vigiar as “fieis” e punir a “infidelidade”.
Seria impressão nossa ou, nos sucessivos partos, o corpo das mulheres envelhece antecipadamente? Seria impressão nossa ou a ausência do prazer sexual estimula efeitos depressivos nas pessoas, o que facilita sua alienação? Seria impressão nossa ou é através do medo, da dor, de constantes ferimentos que nós mulheres somos convertidas a dóceis animais domésticos? Não seria também por que somos domesticadas pela violação de nossa sexualidade/vida que desenvolvemos um excessivo afeto pela maternidade?
Segundo Foucault “manter a sexualidade sob controle é um modo de controlar as pessoas”. E é pela proibição e, posteriormente, pelas punições que o patriarcado opera nossa castração sexual. O “modus operanti” da fé nos inflige a todo custo uma sexualidade de culpa. Quanto maiores os castigos e as humilhações, mais próximos @s serv@s estão do Senhor. Só na dor e no sacrifício é que “a alma” se elevará. Nunca no prazer. O chamado “aperfeiçoamento moral religioso” é na realidade a domesticação da humanidade. E nenhum dono deseja um cão arisco a ele, não é?

A mulher como objeto religioso das relações masculinas
Papai preserva a virgindade e diz: “MINHA filha não é puta”. A família comemora o matrimônio e os sacerdotes falam: “SUA filha não é puta”. O marido defende a monogamia e diz: “MINHA MULHER não é puta”. E o filho adora a maternidade, dizendo: “MINHA mãe não é puta”. Nenhum homem quer ser “(pai d)o filho da puta”. Por isso, historicamente, o aborto sempre foi a solução adotada por mulheres que não teriam seus filhos reconhecidos pelos machos de nossa espécie. Os filhos bastardos não herdam nada. E quando não há nada em jogo, não existe socialmente qualquer possibilidade de troca ou de dominação.
É “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” que os homens estabelecem para as mulheres a função de objeto de troca, pois eles precisam se comunicar. O pai conduz a filha e a entrega a outro homem. Um presente. Este perpetua seu sobrenome se apropriando do produto do ventre desta mulher. Uma usurpação. Contudo, é necessário que um terceiro homem venha a legitimar este procedimento. A conivência. Todos agora são sujeitos de poder.
Estabelecer relações interpessoais é uma necessidade vital dos seres sociais humanos. E como não podem fazer isso através do afago “homoerótico”, proibido pelas diferentes “leis de Manu”², os homens o fazem nos sacramentos da religião. No seio de toda esta questão esta o sacramento que amamenta a razão religiosa: a monogamia. E como objetos de representação da ordem masculina, nós mulheres não devemos ter vontade própria, nos cabe unicamente a funcionalidade de seguir as normas da “preservação das instituições, da moral e dos bons costumes”.

Os homens como filhos da “puta”
Para as religiões estas ou são freiras ou são “putas”. E assim as mentes domesticadas apontam o dedo na cara delas. Excluindo as castas freiras que já na vestimenta são identificáveis, é socialmente necessário apontar-lhes o dedo, pois as religiões patriarcais determinaram que “elas” são sexualmente subversivas, oferecem maçãs proibidas aos machos “inocentes”, duvidam que podem até virar “estatuas de sal” ou, como Lilith, se devem ou não se deitar por baixo de um homem e obedecer aos seus desmandos. Mas não seriam as “putas” outras escravas?
Qual mulher nunca ouviu que os homens casados gostam de contar as prostitutas suas angústias matrimoniais? Parte da manutenção da matrimônio se sustenta com a exploração comercial da prostituição. Mas apesar de serem propriedade pública da república dos machos, as “putas” deixam expostas as mentiras da monogamia.
Comprovam que a monogamia não é uma regra social instituída para os homens. Os escândalos comprovam que nem mesmo para os homens casados com Deus são monógamos, pois a monogamia é uma “divina regra social” que, desde a origem do patriarcado, sempre se destinou as mulheres. E qual é nossa “sagrada obrigação matrimonial”? Respeitar o famigerado Senhor.
Tanto que chamar uma puta também é modo machista de “qualificar” mulheres que cometem adultério. Se nem mesmo o budismo, conhecidamente uma filosofia autodeterminativa, esqueceu de condenar a “infidelidade”, como poderiam as demais patriarcanalhices negligenciarem tal condição, afinal de contas, escravas não podem ter autodeterminação.
O islamismo condena a infidelidade feminina com o apedrejamento das “adúlteras”. E o aborto encobriria o exercício da sexualidade “infiel”. O cristianismo excomunga mulheres que interrompem a gravidez, condena os métodos contraceptivos, pois ambos delegariam as mulheres maior controle sobre si mesmas. E quem por crença não nega a si, não precisa de doutrinadores para controlar seus atos. Como são chamadas as mulheres sem homens?
Toda afirmativa, proibição, punição ou exaltação a materialidade constituem os alicerces das igrejas, dos mosteiros e das mesquitas. Combinam interesses econômicos construídos e reconstruídos pelos altares patriarcais. E lá, nos sermões dos altares, nunca houve espaço para a igualdade entre mulheres e homens. Ou houve?

Freiras e profissionais do sexo: os dois lados da mesma moeda
Pouco é divulgado, mas existem relatos de freiras que abortaram devido a impropriedade de suas relações com padres dentro de espaços eclesiásticos. E por qual motivo fingimos que exista tanta diferença entre estas mulheres?
As instituições religiosas citadas neste estudo já foram decodificadas por Maquiavel: “é dividir para dominar”. A instituição que separa as mulheres entre boas mães e desnaturadas se estrutura sobre o mesmo altar dosestereótipos cristãos da “santa e da puta”. O objetivo final da confirmação adotada da maternidade e da coisificação exposta do corpo feminino é anular nossa sexualidade, para assim nos classificar segundo a preservação dos interesses machistas. O poder de interromper uma gravidez poderia colocar “putas e santas” no mesmo patamar, pois tanto virgens como esposas poderiam “esconder o desvio de sua sexualidade” e autoproclamarem a libertação de seu doméstico estado animal. Manter as mulheres separadas e garantir que não se reconheçam como iguais. Toda via, quando conseguimos um lampejo de consciência o que ocorre?
“O FEMINISMO CRISTÃO para MULHERES LIBERAIS”
Toda “mulher de bem” conhece uma filha da amiga, de um parente ou de uma empregada que teve que interromper uma gravidez. E apesar de discordar, ela é condescendente. Mas a condescendência com estas existe devido a proximidade. Como antes foi escrito: “estabelecer relações interpessoais é uma necessidade vital para seres sociais”. Mas quando fundamentalmente estão isoladas nas gaiolas do dócil zoológico matrimonial ou religioso, age o efeito da distância, e com isso, tantas de nós são contra o aborto das “outras”.
Dentro deste contexto, o Papa conclamou as mulheres deste novo milênio a legitimarem um “novo feminismo”, um "feminismo cristão". Agora voltado a exaltação da vida e na defesa da família. O reconhecimento da importância social do feminismo pela igreja seria hilário se não fosse trágico. No fundo é mais uma tentativa de resignificar os mesmo valores da monogamia e da reprodução intensiva, onde novamente o sinônimo de ser mulher significaria ser mãe e esposa, mesmo que esta venha a ser uma mulher feminista.
Porém existe um lado muito bom nisso, esta atitude denúncia o quanto são conservadoras as bases liberais do dito feminismo progressista. Ambos defendem a manutenção das mulheres no mercado de trabalho, ambos exaltam a incrível capacidade feminina de se posicionar contra as injustiças, porém dificilmente as liberais direcionam esforços descomunais para as questões que ainda não são consenso entre as mulheres do mundo, entre elas o direito ao aborto.

A maternidade como resposta para a carência
O amor é o que nos matem “fracas”, é nossa energia vital sempre voltado para os outros. É nessa fonte de energia que nada pede em troca que os patriarcas se alimentam e revigoram suas forças. É graças a ela que os homens encontram motivos para retornarem aos lares e novamente se confrontarem com as exigências sociais do dia seguinte.
A mutilação de nossos corpos é violenta e no lugar desta violência colocaram o amor. Um sentimento nada palpável. O amor nos é oferecido como compensação da violência. E funciona de forma eficaz. Age como um botão que é acionado quando damos qualquer sinal de decisão sobre nossas vidas. A reação é imediata. Automática, como robôs que respondemos comandos ou animais que respondem a “estimulo”. E novamente voltamos ao nosso papel de mães e esposas.
Se nossas relações afetivas são uma construção social, por que o amor materno é tão defendido pelas mulheres? Quase que unanimemente? Se a mãe é um poço de amor, e todo poço tem um fim, de onde vem tanto amor? Como nessas condições conseguimos desenvolver tanto amor?
Fomos cortadas do amor próprio e do desenvolvimento de nossa individualidade e o centro de todos estes questionamentos está na extensão de nossos corpos. Corpo este que não nos pertence e que é dilacerado constantemente por tudo que foge a regra machista. Mais sem prazer, não sobrevivemos? Uma saída para sobrevivermos sem ter corpo seria o dar amor, e executar bem alguma função, pois “não exigem muito mais das mulheres que isso”.
A maternidade nutri nossa carência afetiva, nossa ausência corporal, a inexistência de nossa funcionalidade transformadora e a completa desigualdade existe nas trocas das relações afetivas com os homens. Toda mulher que combate a violência masculina sabe que o amor é o tendão de Aquiles das mulheres, é por ele que se morre é por ele que nós aceitamos as condições impostas para nossa sobrevivência.
Não seríamos tolas de dizer que crianças não nos cativam. Cativam sim, elas são lindas. É um prazer tê-las nos braços, observar o desenvolvimento físico, o reconhecimento do corpo, do mundo. E como muito bem disse Saint-Exupéry: “eis responsável por aqueles que cativas”. Mas cativar é tornar alguém cativo? É fazer das relações afetivas um cativeiro? O amor romântico, por exemplo, não foi particularmente construído para isso, foi?
A RAZÃO DAS MULHERES

Desde o matriarcado, o culto a maternidade se passa na cabeça masculina, por que eles não possuem esta função reprodutiva. Todas as falsas justificativas do patriarcado sobre nossas diferenças se baseiam nesta condição animal. Nós feministas não podemos cultuar “o poder materno” por que, fisiologicamente, o parto nada mais é do que outra função biológica, assim como cagar ou morrer.
Devemos exaltar sim o cuidado e a criação das crianças, pois estes atos demandam um trabalho transformador que pode e deve ser exercitado por ambos os sexos, independente de qualquer determinação social ou orientação sexual, pois, de modo igual e constantemente, uma educação feminista é revolucionária para qualquer sexo.
Ao desmistificarmos a maternidade, este poder que nos foi dado pelos homens (a mando de um Deus masculino, como se fosse um esperma a nos adentrar o útero), quebramos também a base da reprodução humana sobre o conceito de propriedade sobre o corpo de outro. Deslegitimamos a funcionalidade das propriedades privadas hereditárias e do sobrenome masculino. Os filhos e as filhas deixam de ser seus, dele ou nossos e passam a ser pessoas livres, sem donos. Pessoas que precisam ser respeitadas e integradas o quanto antes pela sociedade.
Não pediríamos e nem fazemos apologia ao aborto, nossa apologia é a greve dos úteros, mas garantir os direitos sexuais das mulheres é dar-nos a autonomia que nenhuma instituição patriarcal deseja: o ”livre-arbítrio”. A autodeterminação de decidir ter ou de não manter uma gravidez indesejada.
Só assim saímos das mãos do Senhor, de qualquer predestinação nos condene a morte como o sentido da vida. Quando não formos mais prisioneiras de nossos corpos, quando não formos mais aprisionam nossas mentes, nós mulheres nos tornamos donas de nossa própria história e não fara sentido nos designarmos a partir da história alheia.
Nós feministas Maçãs Podres não temos rancor frente aos homens ou qualquer religião, apenas reivindicamos o que nos é sabido, o pleno direito sobre os destinos de nosso corpo. Viva o movimento feminista.


Texto: Ana Clara Marques e Patrick Monteiro
Blog: Maças Podres

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¹- segundo Karl Marx, não é possivel analisar as particularedades sem o todo, assim como não é possivel analisar o todo sem suas particularidades.
²- Com base de sua análise filosófica sobre a inexistencia da essência feminina, Simone de Beauvoir cita constantemente as leis de Manu, por estas serem considerado o primeiro código de leis fortemente fundamentadas em conceitos religioso. Nietzsche também cita as Leis de Manu para designar que "Por fim as mulheres sudras eram proibidas de assistirem no parto de mulheres chandalas, e, essas últimas, de se assistirem mutuamente no mesmo caso...
"Os hinduístas fundamentam a divisão social na teoria da reencarnação, cujo o ciclo de nascimentos e mortes contrabalançaria as ações praticadas em um existência na seguinte. A alma conquista a liberdade e evolui ao aceitar sua condição, resignando-se no cumprimento de seu papel, sem se revoltar. Isso é aceito e praticado por 80% da população da Índia que segue o Hinduísmo; mas islâmicos, 13% da população, e cristãos, 2%, também adotam o sistema de castas. "

Obs: Dentro das bibliografias já citadas para este estudo acrescentamos

1- O segundo Sexo - Simone de Beauvoir
2- O capital - Karl Marx
3- A origem da Família, do Estado e da Propriedade Privada - Friedrich Engels
4- O Crepúsculo dos Deuses - Friedrich Nietzsche
5- Vigiar e punir - Michel Foucault

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