POR MARIE-PIERRE POIRIER
A criança, ao vivenciar esse cotidiano de desigualdade, tem a percepção de que negros, brancos e indígenas ocupam lugares diferentes |
O Brasil é formado por muitas cores, vindas de quase todas as regiões do mundo. Essa combinação de diferentes povos e culturas é, sem dúvida, uma característica da população brasileira.
Mas, se essa diversidade é uma riqueza, por que ainda persistem desigualdades nas oportunidades?
Com o crescimento econômico brasileiro das últimas décadas, o analfabetismo caiu, a população tornou-se predominantemente urbana e o sistema de ensino superior passou por uma grande expansão.
Em geral, as desigualdades de renda diminuíram, resultado de políticas salariais e de transferência de renda aliadas a forte política de proteção social e expansão industrial. Mesmo assim, as desigualdades raciais persistiram e, em alguns aspectos, continuam críticas.
Embora as políticas públicas no país tenham sido construídas para todas as crianças, ainda não foram universalizadas em seus efeitos.
Estudos socioeconômicos e análises do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) mostram que os avanços alcançados não conseguiram ainda gerar impactos suficientes nas situações de desigualdades da população -sobretudo de crianças, adolescentes e mulheres negras e indígenas. A falta de acesso a serviços impõe obstáculos a negros e indígenas mesmo antes do nascimento.
Apenas 43,8% das grávidas negras têm acesso ao mínimo de sete consultas pré-natais, indicador que entre as brancas é de 72,4%.
Tal fato produz um efeito imediato e devastador na vida da criança.
Um bebê negro tem 25% mais chance de morrer antes do primeiro aniversário do que uma criança branca. Essa desigualdade é mais assustadora entre crianças indígenas, que têm duas vezes mais chances de não sobreviver aos primeiros 12 meses de vida em relação às crianças brancas.
O racismo também compromete o direito de aprender. Uma criança indígena tem quase três vezes mais chance de estar fora da escola do que uma criança branca. Da mesma forma, do total de 530 mil crianças de sete a 14 anos que não estudam, 62% são negras (Pnad, 2009).
Na adolescência, encontramos uma das faces mais cruéis do impacto do racismo. O Índice de Homicídios na Adolescência (IHA) mostrou que um adolescente negro que vive nas cidades com mais de 100 mil habitantes tem 2,6 vezes mais risco de morrer vítima de homicídio do que um branco.
Quando se fala em pobreza, a iniquidade segue o mesmo perfil. No país, 45,6% das crianças vivem em famílias pobres (renda per capita de até meio salário mínimo). São 26 milhões de crianças nessa situação. Dessas, 17 milhões são negras.
A análise segundo a cor de pele confirma a desigualdade socioeconômica e revela uma profunda desigualdade racial. Entre as crianças brancas, a pobreza atinge 32,9%; entre as crianças negras, 56%.
As estatísticas oficiais mostram uma situação de desvantagem e exclusão que tem reflexos muito concretos na vida de crianças e adolescentes. A criança, ao vivenciar esse cotidiano de desigualdade, tem a percepção de que negros, brancos e indígenas ocupam lugares diferentes na sociedade.
Por isso, torna-se fundamental uma socialização que desconstrua essa percepção, contribuindo dessa forma para mudar a realidade.
A campanha que o Unicef acaba de lançar promove a reflexão sobre essas disparidades raciais. O objetivo é alertar a sociedade sobre o impacto do racismo na infância e na adolescência e estimular iniciativas de redução das desigualdades.
Não podemos aceitar que a cor da pele determine a vida de crianças. Afinal, qual sorriso é mais bonito? Qual vida vale mais? Reconhecer e lutar contra o impacto do racismo na infância é condição primordial para uma sociedade que deseja garantir a igualdade de oportunidades e a valorização da diversidade para todos.
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