Se você é feminista e não assistiu o filme “CISNE NEGRO”, assista (veja on line, sem pagar nada, clicando no link) e o faça antes de ler o resto deste texto, pois apesar de não focarmos os detalhes do roteiro¹, o que nós comentaremos aqui poderá estragar o clímax da película ou a indigesta sensação de impotência que ela pode lhe provocar.
A trama¹ seria bem “clichê” se não fosse apresentada com a dubiedade necessária, já que o filme é uma metáfora da sexualidade feminina ou que se deseja de nós. Neste ponto, Darren Aronofsky é um dos poucos artistas de Hollywood que abordam o “clichê” das questões de gênero, sem clichês estereotipados.
Em “O Lutador”, Aronofsky nos mostra o que “sobra” a um homem, preso aos papeis de gênero, quando sua masculinidade (de pai/marido/amante/provedor) já não possui mais utilidade social. Em “CISNE NEGRO” ele inverte a perspectiva temática e presenteia-nos com um jogo de ilusões e espelhos que mergulham profundamente na batalha interna de toda mulher: o essencialismo da feminilidade e a loucura da transcendência humana.
Em “O Lutador”, Aronofsky nos mostra o que “sobra” a um homem, preso aos papeis de gênero, quando sua masculinidade (de pai/marido/amante/provedor) já não possui mais utilidade social. Em “CISNE NEGRO” ele inverte a perspectiva temática e presenteia-nos com um jogo de ilusões e espelhos que mergulham profundamente na batalha interna de toda mulher: o essencialismo da feminilidade e a loucura da transcendência humana.
A mulher como bailarina de si
A maquiagem: Petrifica o rosto e simula a perfeição Maquiadas, nos tornamos estátuas. |
Vista pelos olhos do “outro”, é verdade que “a verdade” pode nos causar estranhamento, mas a esquizofrenia apresentada pela personagem nos obriga a compreender e identificar a “grande verdade masculina” sobre as mulheres: somos atrizes de nós mesmas. E isso não é fácil de admitir e mais difícil ainda de querer se livrar.
Para as mulheres, dissimular pode ser a “arte da sobrevivência”. Uma estratégia desenvolvida há séculos. O olhar pelo canto dos olhos, ver e fingir que não vê. Muitas vezes, assim como a dor, a dissimulação pode causar algum prazer. Mas não é autocontrole induzido a “hipocrisia socialmente necessária as mulheres”? Fomos obrigadas a encarar a vida como um espetáculo e todo espetáculo como “realidade”, mas qualquer descontrole, descuido ou “queda”, no palco da vida feminina, é diagnosticado como “anormalidade”, “doença” ou histeria.
Eis a mentira que os homens gostam de acreditar, pois também não desejam revelar “a verdade”. Precisam da nossa hipocrisia para justificar “sua liberdade”. Seus privilégios. E também não chorarem suas perdas. Homens, existem com os privilégios. Mas, na real, a “sociedade” alimenta as grandes mentiras. Da superioridade sexual e racial, da naturalização do “sucesso econômico”, da democracia. E por isso, odeiam as feministas. Em imagem, as feministas são “todas loucas, feias ou mal-comidas”, pois na ilusão dos espelhos, somos tidas como "atrizes ruins" deste grotesco espetáculo. Ser feminista é ser mulher e não saber interpretar.
Amputação Simbólica
Após o procedimento médico de amputação, as pessoas relatam a existência de sensações de dor, formigamento e peso do membro amputado, chama-se de sensação fantasma. É como se o membro amputado ressurgisse no corpo. Mas esta sensação desaparece com o uso de uma prótese. O alvo da destruição é “o corpo que não pode estar no próprio corpo”. Mas como é amputar a si mesma a sangue frio?
Somos alienadas do auto-afago como um trabalhador que automaticamente produz uma mercadoria. Nosso corpo é colocado como inimigo. Tudo que temos deve ser controlado. Peso, sexo e envelhecimento. No mínimo, maquiado, dissimulado, encoberto e vendido. Vivemos entre a ambigüidade da imagem e da negação da matéria. O corpo torna-se um campo de batalha. O útero, a beleza jovial e o sorriso. Devemos destruir algumas partes e outras devemos preservar. Porém nossa sexualidade está lá e continua latente como se fossemos assombradas por um fantasma que a todo custo deseja nos dominar.
Em analogia, a amputação sexual humana recai sobre a pulsão das mulheres. Nos homens, como fixação. Nas mulheres, como “extirpação”. A “imaterialidade” da vagina precisa ser “compensada”, daí surge às sensações de “poder feminino”. O desejo de despertar desejo e “o poder” de não ser tocada. O fantasma da vagina circula sobre nossas cabeças. É porque a vagina não se encontra ausente que fantasiamos ao nos tocarmos. Nossa sexualidade está lá, latente, mesmo que junto a ela não haja mais ninguém além de você mesma.
Na masturbação percebemos, por alguns segundos, a existência do corpo sexual. O sentimos fisicamente. Não é o corpo erótico desejado pelo outro, mas o corpo tocado por nós. No gozo do toque, existe a sensação de não estar em nenhum rótulo. De estar sem amarras. Mas a sensação é tão intensa e rápida que automaticamente retornamos, aos papéis de gênero, com uma pergunta: delicio-me por que sou “puta” ou devo sentir uma “puta culpa” ao me tocar? Esta culpa que nos assombra é a sensação fantasma resultante da amputação de nossa sexualidade.
Conclusão:
A mulher e a sociedade do espetáculo
Não seria a negação do mundo concreto, uma negação da própria realidade? Por que a imagem desencadeia muito mais compaixão do que a própria miséria humana vista de perto? Por que fotos de pessoas tristes ficam tão “bonitas”?
A cópia, a representação, a aparência parecem descrever a realidade com muito mais intensidade que a própria realidade. E nisso, o filme CISNE NEGRO tanto pode ser entendido como um “conto de fadas invertido”, como uma "frustrante" projeção da realidade feminina, devido a "coincidência inversa" que converte o destino da personagem Nina no oposto dos fatos recentes da vida da atriz Natalie Portman.
A cópia, a representação, a aparência parecem descrever a realidade com muito mais intensidade que a própria realidade. E nisso, o filme CISNE NEGRO tanto pode ser entendido como um “conto de fadas invertido”, como uma "frustrante" projeção da realidade feminina, devido a "coincidência inversa" que converte o destino da personagem Nina no oposto dos fatos recentes da vida da atriz Natalie Portman.
Nos contos de fadas masculinos, assim como na história humana, os homens encontram a transcendência na morte ou enfrentando-a. A morte por atividade é um símbolo filosófico e cultural de auto-determinação, é uma auto-afirmação que expressão “sou tão dona de minha vida que me dou o direito de determinar quando será minha morte”.
A cena da mutilação do ventre, da auto-esterização do útero, representa “a maturidade técnica em que um ser humano atinge o auge e encontra a morte”². Se continuasse viva, a personagem se transformaria na “princesinha”, na “queridinha da América”, aquela que conquistou como beleza, na “beleza da arte”, o sucesso e a felicidade. Seria coroada rainha e assistiria do alto a desgraça das demais mulheres, a espera do momento que outra mulher mais jovem e bonita viesse destroná-la. O que poderia surgir pra Nina depois disso?
Ao mesmo tempo é doloroso ver imagens como esta. O apuramento técnico de Sebastião Salgado transformou esta imagem em um fragmento de dor "muito mais palpável" do que a "realidade", pois em todas as ruas das grandes cidades do Brasil ou em qualquer campo de uma zona rural, existem pessoas com a mesma expressão de angústia e vivendo na mesma condição de misária não nos despertam tanta empatia, comoção e humanidade como esta foto. Este é o conceito expresso no livro "A sociedade do Espetáculo", Guy Debord. |
Após a castração sexual imposta por si mesma, e pela mãe, após dissimulação exigida pelo diretor da companhia de balé, a superação de todas as suas “rivais” mulheres e ser aclamada de pé pelo “fingimento”, inserida no contexto real de sua condição feminina, ela só encontraria a completude social na maternidade. Destino fundamental de toda “mulher”³ no patriarcado.
Porém, Darren Aronofsky parece saber muito bem em que mundo nós vivemos. O desempenho magistral de Nina como Cisne Negro, não era desempenho, nem atuação. "Ela" estava vivendo todos os sentimentos e dores que culminavam no auge do “Lago dos Cisnes”. Aronofsky sabe que o mundo abandona as mulheres com o avançar da idade, depois de trancá-las, com cintos de castidade, em castelos infantilizados. Sabe que as condena a reprodução da vida e, ao que parece, ele não quis este triste destino para ela. Por isso, nunca há finais felizes em suas fábulas.
Tanto que na sociedade dos espetáculos a fantasia parece ser muito mais “concreta” do que a própria realidade. Enquanto Nina se “auto-esteriliza” e encontra a trancendencia, e na imanência, Natalie Portman engravida E infelizmente, este fato real é mais clichê do que qualquer trama presente no filme. No auge de sua carreira, Natalie Portman atingi a "completude" de toda mulher no destino biológico da maternidade. Bem que ela também poderia matar a mulher e transcender para a identidade social feminista. Mais isso seria um final feliz, um "conto de fadas". A maior infelicidade é que a gravidez deve somar ainda mais "pontos/votos" na hora dela ganhar o (merecido) Oscar de melhor atriz deste ano. Se não vencer, ao menos já terá se premiado com a compensação destinada a toda mulher.
Boa sorte a grande Natalie Portman ,em seu novo papel social de "mãe". É pena uma que neste caso, a vida negou espetáculo. A "personagem real morre" e se eternaliza, sem determinismo. Por conquistar, glória e esforço, sem "interpretação".
Boa sorte a grande Natalie Portman ,em seu novo papel social de "mãe". É pena uma que neste caso, a vida negou espetáculo. A "personagem real morre" e se eternaliza, sem determinismo. Por conquistar, glória e esforço, sem "interpretação".
Texto: Ana Clara Marques e Patrick Monteiro
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¹-O “Cisne Negro” narra a história de uma bailarina obcecada pela “perfeição técnica e estética” prestes a protagonizar a peça “O Lago dos Cisnes” de Tchaikovsky. Neste processo, existem quatro conflitos de gênero básicos: a relação conflituosa entre a mãe e a filha, a substituição da 1ª bailarina da companhia, a competição que se estabelece entre as artistas e a tensão sexual nascida em Nina e o diretor da companhia de balé.
²-Nietzsche avaliou que "O que se tornou perfeito, inteiramente maduro, quer morrer", nas mais diferentes correntes filosóficas, passando inclusive pelo existencialismo, a morte possui duas concepções básicas para humanidade: a plenificação (excluam qualquer teologia) ou a nadificação. Beauvoir disse que "A morte parece menos terrível quando se está cansado".
³-Pelas determinações essencialistas, a função social da mulher seria a reprodução da vida, ou seja, o destino biológico da maternidade. Segundo Simone de Beauvoir, presa a animalidade do parto a mulher não encontra a transcêndecia humana.
²-Nietzsche avaliou que "O que se tornou perfeito, inteiramente maduro, quer morrer", nas mais diferentes correntes filosóficas, passando inclusive pelo existencialismo, a morte possui duas concepções básicas para humanidade: a plenificação (excluam qualquer teologia) ou a nadificação. Beauvoir disse que "A morte parece menos terrível quando se está cansado".
³-Pelas determinações essencialistas, a função social da mulher seria a reprodução da vida, ou seja, o destino biológico da maternidade. Segundo Simone de Beauvoir, presa a animalidade do parto a mulher não encontra a transcêndecia humana.
Fonte: Blog Maças Podres
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