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quarta-feira, 18 de maio de 2011

O fim da educação

Nelson Pretto
De Salvador (BA)

A vida de pesquisador nas universidades está ficando cada dia mais estranha. Quando comecei minha vida acadêmica no Instituto de Física da Universidade Federal da Bahia, recebi logo na chegada um lugarzinho, uma sala com ar condicionado, escrivaninha, cadeira, máquina de datilografar, um telefone - que na verdade não funcionava lá muito bem! -, papel e caneta. Os livros, estavam na biblioteca ou os comprávamos, porque também não se publicava tanto quanto hoje. Dividia a sala com mais um colega e, dessa forma, fazia minhas pesquisas sobre o ensino de ciências e dava aulas na graduação. Depois, passei a integrar o corpo docente da pós-graduação em Educação e, também por lá, sem nenhum luxo e bem menos infra, tinha as condições mínimas para pesquisar sobre a qualidade dos livros didáticos, campo inicial de pesquisa na minha vida universitária.
O tempo foi passando e a universidade foi se especializando no seu novo jeito de ser. Foi crescendo e ganhando força a pós-graduação, apareceram os grupos de pesquisas que passaram a ser cadastrados no CNPq, surgiu o Currículo Lattes - o Orkut da academia -, a CAPES intensificou a avaliação da pós-graduação e... a guerra começou. Com as demandas para a pesquisa cada dia sendo maiores e o com os recursos minguando (o Brasil investe em C&T apenas 1,2% do PIB enquanto os Estados Unidos, por exemplo, investem 2,7%), a avaliação da produtividade - palavrinha estranha no campo da pesquisa científica, não?! - ganha corpo, no Brasil e no mundo. "Publicar ou perecer" virou o mantra de todo professor-pesquisador. Mais do que isso, nas universidades não temos mais aquelas condições básicas dadas pela própria instituição já que, de um lado, ela foi perdendo cada vez mais seu orçamento de custeio e, de outro, as demandas aumentaram muito uma vez que, mesmo na área das Humanas, necessitamos de muito mais tecnologia. Por conta disso, temos que, literalmente, "correr atrás" de recursos através dos chamados editais. Assim, cada grupo de pesquisa vive em função de sua capacidade de captação de recursos - quem diria que estaríamos falando assim, não é?! - e transformaram-se em verdadeiros setores administrativos nas universidades. Demandam secretários, contadores (esses, seguramente, os mais importantes!), administradores, bibliotecários, constituindo-se em um verdadeiro aparato burocrático para dar conta das cobranças formais de cada um destes editais e de suas famigeradas prestações de contas.
Pois quando pensamos que já estávamos no limite, e os colegas Waldemar Sguissardi e João dos Reis da Silva Jr com o seu "O trabalho intensificado nas Federais" mostraram bem o fundo do poço, sabemos através do colega Manoel Barral-Neto no seu blog "Sciencia totum circumit orbem" que pesquisadores chineses estão recebendo um "estímulo" equivalente a 50 mil reais para publicar suas pesquisas nas revistas de "alto impacto" científico, a exemplo da Science. Nos comentários que se seguiram ao texto, tomamos conhecimento com a postagem de Renato J. Ribeiro que a Universidade Estadual Paulista (UNESP) está dando um prêmio de cerca de 15 mil reais para quem publicar na Science ou Nature, duas revistas de alto "fator de impacto".
Também de São Paulo outra noticia veio à tona recentemente: o resultado da última avaliação realizada pelo Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) apontou que os estudantes não se deram muito bem na avaliação de 2010. É com base no rendimento dos alunos que os professores da rede estadual paulista recebem uma gratificação - um bônus - no seu salário, num esquema denominado "pagamento por performace", implantando no Estado supostamente para "estimular" a melhoria da educação paulista. O que se viu com os últimos resultados é que essa estratégia não funcionou.
E não funcionou porque esse não pode ser o foco da avaliação da educação. A educação, em todos os níveis, precisa ser fortalecida, mas não como o espaço da competição e sim como um espaço de formação de valores, da colaboração e da ética. Em qualquer dos seus níveis, a educação precisa ser compreendida como um direito de todo o cidadão e que não pode ser trocada por uns trocados.
Lembro Milton Santos: "essa ideia de que a universidade é uma instituição como qualquer outra, o que inclui até mesmo a sua associação com o mercado, dificulta muito esse exercício de pensar". De fato, com um dinheirinho extra por cada publicação, com um novo edital disponível para o próximo projeto, com a avaliação da CAPES na pós-graduação batendo às portas, deixando todos de cabelo em pé, e com a lógica do "publicar ou perecer", parece que estamos chegando perto do fim da universidade enquanto espaço do pensar e do criar conceitos. Viramos, pura e simplesmente, o espaço da reprodução do instituído.
E isso é, no mínimo, lamentável. Na verdade, é o próprio fim da educação.


Nelson Pretto é professor e já foi diretor (2000-2004 e 2004-2008) da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia. Membro titular do Conselho de Cultura do Estado da Bahia. Físico, mestre em Educação e Doutor em Comunicação.

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