José Roberto de Toledo - Estadão
Para as mulheres brasileiras, o elevador profissional não chega à cobertura. Elas estudam cada vez mais do que os homens, preenchem mais vagas no mercado de trabalho que requerem melhor qualificação, mas são barradas antes de chegarem ao topo salarial e ao comando. Dilma Rousseff é a exceção que confirma a regra.
A mesma eleição que colocou uma mulher na Presidência da República manteve uma baixa ocupação feminina no Congresso, nas assembleias e nos governos estaduais. A culpa é do machismo das cúpulas partidárias, é certo. Mas o problema se estende a toda a sociedade.
As mulheres são 42% dos 44 milhões de trabalhadores formais do País e ganham, em média, 17% menos do que os homens (Rais 2010). Em dinheiro, a diferença mensal é de R$ 305. Dito assim, o problema parece enganosamente menor. A média escamoteia a crueldade da discriminação.
Se considerarmos apenas os trabalhadores com nível superior completo, descobriremos que 59% são do sexo feminino. É uma recompensa pelo esforço das mulheres, que passam mais tempo estudando e conseguem, mais do que os homens, empregos que exigem diploma.
Só há um problema: a diferença salarial duplica entre os homens e mulheres que fizeram faculdade. As mulheres ganham, em média, 41% a menos do que seus colegas que estudaram tanto quanto elas. São R$ 2.150 a mais para os homens todo mês.
Como a diferença salarial pode ser tão grande se a qualificação é, teoricamente, a mesma?
É que a maioria de mulheres fica confinada à base da pirâmide profissional. Seu acesso aos postos do topo é dificultado por barreiras culturais, preconceitos e até intimidação sexual. Para chegar lá, precisam desalojar concorrentes masculinos. Mas eles não largam o osso.
No topo da pirâmide, 35 famílias ocupacionais pagam mais de R$ 10 mil por mês, em média, para os com-diploma. Os homens são maioria em nada menos do que 33 delas. Eles ocupam 69% dos postos de comando mais bem pagos.
Para piorar, as relativamente poucas mulheres que chegam ao topo geralmente ganham de 20% a 80% menos do que os homens que ocupam os mesmos cargos. Segundo estudos norte-americanos, as mulheres reivindicam aumentos salariais muito mais raramente do que os homens.
Mas isso não explica absurdos como este: dois em cada três dos mais de 14 mil diretores empresariais no Brasil são homens, que ganham R$ 16 mil, em média. O outro terço, formado por mulheres, ganha R$ 5,8 mil, ou seja, R$ 10 mil a menos por mês, R$ 130 mil a menos por ano.
Sobram indícios de que isso seja fruto de ação deliberada contra as mulheres dentro das empresas. Quando a competição profissional é regida pelo mérito, o fosso entre os sexos diminui. Nos cargos públicos bem pagos e preenchidos por concurso, as mulheres avançam à igualdade.
Elas são 41% do ministério público, 40% dos magistrados, 45% dos auditores do trabalho, 51% dos defensores públicos e 47% dos procuradores de Justiça. Nessas funções, cujo plano de carreira dificulta a discriminação, os salários médios de homens e mulheres são muito parecidos.
Se os juízes ainda ganham, em média, 14% mais do que as juízas é porque há menos mulheres nos tribunais superiores. Apesar de Dilma ter nomeado três barbados para o STJ, há mais ministras e desembargadoras hoje do que em qualquer outra época.
Elas estão chegando lá, mas não sem enfrentar a reação dos homens.
Na quinta-feira, o jornal “The New York Times” contou como funcionárias do Fundo Monetário Internacional evitam usar saias para não atrair a atenção indesejada dos chefes. Em 2008, o FMI julgou que seu comandante, Dominique Strauss-Khan, não violara nenhuma regra ao levar para a cama uma economista subordinada a ele.
DSK, como é chamado na França, sempre contou com a cumplicidade silenciosa da imprensa francesa para seus casos extraconjugais e assédios a mulheres que se aproximavam profissionalmente. Não é à toa que os franceses ficaram estupefatos com a acusação de estupro contra ele. O chefe do FMI é o lado violento de um comportamento comum.
Na mesma edição, o NYTimes contava como outro apalpador contumaz, o ex-governador da Califórnia Arnold Schwarzenegger, ocultou por 10 anos o filho que teve com a empregada.
Uma terceira reportagem revelava que a fraternidade frequentada pelos dois ex-presidentes Bush foi suspensa pela Universidade de Yale após seus membros brindarem publicamente com ofensas às mulheres. Os alunos cantaram, por exemplo, “No means yes!”, uma inversão do refrão anti-estupro “No means no!” (não é não).
Pode ser coincidência que nas três histórias homens poderosos (ou futuros poderosos) tenham usado seu status para subjugar, seduzir e ameaçar mulheres. Ou pode ser um sintoma da reação masculina ao “empoderamento” feminino.
À mulher de Cesar se cobra que seja e pareça honesta. Ao marido dela nem tanto.
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