Você encontra aqui conteúdos da disciplina História e Cultura Afro- Brasileira para estudos e pesquisas, como também, assuntos relacionados à Política, Religião, Saúde, Educação, Gênero e Sociedade.
Enfim assuntos sobre o passado e sobre nosso cotidiano relacionado à História do Brasil e do Mundo.








Seguidores


Visitantes

terça-feira, 17 de maio de 2011

Anistia e fim do bipartidarismo: estratégia de transição imposta pelos militares

Anistia de 1979 frustrou a Campanha da Anistia

Rio de Janeiro - Por Carlos Fico

Foi durante o mandato do general presidente Ernesto Geisel (1974-1979) e no contexto da “abertura” que surgiu a campanha pela anistia. Em 1975, foi criado o “Movimento Feminino pela Anistia”. Em 1977, com a eclosão de manifestações estudantis em diversas cidades do país, a campanha ganhou maior fôlego: realizaram-se os “Dias Nacionais de Protesto e Luta pela Anistia” e formaram-se os “Comitês Primeiro de Maio pela Anistia”, que teriam duração efêmera. Finalmente, em 1978, formou-se o “Comitê Brasileiro pela Anistia”, lançado no Rio de Janeiro com o apoio do general Pery Bevilacqua, punido pelo AI-5 em 1969. A exigência de uma anistia “ampla, geral e irrestrita” tornou-se a marca da campanha.

As etapas do processo de “abertura” foram planejadas para atender ao ritmo cauteloso estabelecido por Ernesto Geisel. Jarbas Passarinho, que em 1979 era líder do governo no Senado, admitiu que “o gradualismo, planejado como se fosse uma operação de estado-maior, deveria prosseguir pela anistia e a reformulação partidária”. José Sarney, antigo presidente do partido situacionista, a ARENA (Aliança Nacional Renovadora), também afirmou que “tudo aquilo [a anistia e a extinção do bipartidarismo] era uma coisa feita segundo um planejamento rígido, em nível de estado-maior, pelo Golbery [do Couto e Silva, chefe do Gabinete Civil] e pelo presidente Geisel”.

O cuidado devia-se a uma série de circunstâncias, sendo talvez a mais importante a dificuldade para desmontar as “comunidades de segurança e informações”, setores militares da chamada “linha dura” que cuidavam da repressão que, muitas vezes, incluiu a tortura de prisioneiros políticos. Tais setores temiam possíveis investigações futuras, que pretendessem puni-los, algo que eles passaram a chamar de ameaças de “revanchismo”. Evidentemente, do ponto de vista do planejamento governamental, evitar tais punições tornou-se um aspecto essencial para a consecução da abertura política.

O planejamento da abertura considerava que a anistia, além de ser uma medida simpática à opinião pública, serviria para dividir o partido de oposição, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), conforme admitiu Jarbas Passarinho:

(...) o governo tinha o maior interesse em anistiar esses líderes [Arraes, Prestes e Brizola], para que cada um, segundo suas ideologias ou doutrinas, atuasse separadamente, o que impediria de o MDB transformar-se no escoadouro único de todas as correntes oposicionistas, uma vez que à anistia seguir-se-ia a reformulação partidária, acabando com o bipartidarismo.

O projeto encaminhado pelo presidente-general João Figueiredo (1979-1985) não incluía na anistia os “condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal”, que os militares chamavam, genericamente, de “terroristas” (apesar de o terrorismo ser uma figura penal inexistente nas leis de segurança de então). Não se deve descartar a hipótese de que a exclusão dessas pessoas da anistia tenha sido um estratagema do governo no sentido de desviar a atenção do artigo que buscava afastar o problema do revanchismo. O “grupo restrito do conselho político” de Ernesto Geisel (Golbery, Petrônio Portella e poucos outros), que pensou a anistia como instrumento de enfraquecimento do MDB, também pode ter planejado essa manobra.

De fato, Golbery valorizava esse tipo de ardil. Ele admirava o antigo presidente do Senado que, no governo Geisel, havia conduzido a chamada “missão Portella” – tentativa de comprometer setores moderados da oposição com a abertura política. Como ministro da Justiça no governo Figueiredo, Petrônio Portella foi responsável pelo projeto da anistia. Golbery do Couto e Silva o julgava capaz de sobrepujar os oponentes com suas “magistrais manobras políticas”, desnorteando adversários “como que postos sob luz estreboscópica”. Segundo Golbery, Portella tinha “um conjunto bem hierarquizado de claros objetivos” e sabia evidenciar “o que queremos de fato, o que nunca cederemos ou até onde poderemos negociar e ceder”. Ora, impedir o revanchismo – que em sua expressão mais elementar diria respeito à punição de torturadores – era certamente um ponto em que os militares nunca cederiam.

A menção aos crimes conexos realmente demandava uma extraordinária capacidade de tergiversação, dada a esdrúxula circunstância de o projeto anistiar pessoas desconhecidas e não condenadas. A fórmula obscura foi adotada porque o governo não estava apenas preocupado com torturadores. Ao anistiar os “crimes políticos ou praticados por motivação política”, o projeto garantia que, no futuro, nenhum militar seria punido em função das ilegalidades praticadas durante a ditadura. Conforme registrou Ana Lagôa, a propósito do atentado à bomba que integrantes da linha dura perpetraram contra uma comemoração pelo Dia do Trabalho, em 1981, no pavilhão do Riocentro, no Rio de Janeiro, “(...) em função da anistia (...), nenhum militar se sentará no banco dos réus”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário