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sexta-feira, 13 de maio de 2011

A espiral do silêncio feminista: Qual é a responsabilidade racial do feminismo na Internet brasileira?

PORQUE 13 DE MAIO NÃO É DIA DE NEGRA
Na atual conjuntura política do movimento feminista, as redes sociais, os blogs e os sites são instrumentos preciosos de integração, protesto, denúncia e difusão de conhecimento e ações feministas. São meios de resistência cultural que fornecem um valiosíssimo material histórico do modo que fazemos e pensamos o feminismo contemporâneo. Dada a dinâmica do movimento, sabemos que nossa atuação muda após cada conquista histórica e a práxis ganha saltos qualitativos a cada aprofundamento teórico. Neste ponto a internet se tornou um elemento fundamental para a conscientização de novas feministas.
A rede tornou-se produtora de pequenas revoluções pessoais, quando na busca por novos conteúdos, os textos e estudos exclusivamente produzidos para o ciberespaço se transformam em base de pesquisa e aprofundamento teórico de militantes, contribuindo para a manutenção do feminismo e a construção de novas práxis. Todavia, é importante rever conceitos e se sensibilizar para as mais diferentes questões que hoje englobam o feminismo. Uma constante avaliação do que estamos produzindo, incluindo aí uma séria análise de traçado ideológico adotado, se faz necessário para a construção dialética de uma “próxima onda feminista”, livre dos vícios derivados que os meios de comunicação de massa tradicionais do patriarcado agregaram para si. A questão racial é um destes exemplos.

A espiral do silêncio feminista
e a invisibilidade da mulher negra
Elisabeth Noelle-Neumann
No auge da contra cultura, devido a um fato eleitoral, a alemã Elisabeth Noelle-Neumann criou uma hipótese conhecida como “a espiral do silêncio”. Simplificadamente, sua hipótese se refere ao modo que se constrói a opinião pública através dos meios de comunicação de massa. A pesquisadora percebeu que as pessoas com uma opinião minoritária tende a silenciar seu discurso e buscam reproduzir as ideias dominantes por receio de sofrerem algum isolamento social. A conseqüência disso é que quanto mais uma questão é silenciada, menos relevante ela se torna e é assim que, em nossas palavras, “as idéias das classes dominantes se transformam nas ideias que dominam a sociedade”. A hipótese de Elisabeth Noelle-Neumann serve de panorama para explicar o fato dos textos que envolvem a violência doméstica, do turismo sexual, da prostituição, das políticas públicas, do aborto, do HIV ou dos trabalhos subalternos que só apresentam as interfaces de classe racial quando, em sua grande maioria, são escritos por mulheres negras.
Na Tragédia de Realengo, por exemplo, se já foi muito raro alguém ter declarado que tal massacre foi um femicídio, visto que a grande mídia é formada por idéias machistas, também foi comum ver que quem denunciou esta negligência midiática “esqueceu” de perceber que, no mínimo, seis das vítimas poderiam ser objetivamente descritas como afrodescendentes.
Logicamente, qualquer pessoa poderia questionar se este “seria um crime racial?”, e resposta facilmente poderia ser “não”, quando analisamos sob a perspectiva de um crime de ódio, porém se levantarmos a bola do debate para o âmbito da vulnerabilidade social, talvez a resposta mudasse de figura, pois mesmo nas “exceções”, as mulheres negras são as principais vítimas dos “femicidios” no Brasil.
Se a análise for ampliada para o contexto dos crimes que geraram grande repercussão na mídia de massa, percebam que nenhuma das notícias envolvia garotas (ou mulheres) negras. Assim, os textos de feministas (brancas) da net parecem também invisibilizar e silenciar os dados de relatórios como O Dossiê Mulher 2010 que apontam para o fato da maioria dos crimes de homicídio doloso (55,2%), tentativa de homicídio (51%) e lesão corporal (52,1%) ser cometidos contra afrodescendentes, do mesmo modo como fazem as reportagens da grande mídia.
Mesmo nos arcos temáticos em que outras formas de violência estão em debate, comotráfico sexual de mulheres e adolescentes, prostituição, mortalidade por interrupção da gravidez ou o crescimento nos índices de HIV em mulheres, poucas de nós feministas (brancas) nos aprofundamos em dizer ou citar os impactos da hipersexualização cultural ou do sistemático extermínio Estatal de jovens negros/as.
Um militante do movimento negro certa vez nos afirmou que se a comunidade negra fosse obedecer aos preceitos do "planejamento da gravidez", as pessoas negras já estariam com os mesmo índices populacionais das comunidades indígenas no Brasil, pois de cada 4 pessoas assassinadas no país, 3 são negras (apesar das afrodescendentes representam 54% das vítimas oficiais dos casos de estupro e atentado violento ao pudor no país).
Antifeminismo racista ou simples “cegueira branca”
A “generalização de conhecimento” também ocorre quando falamos daexecução de trabalhos subalternos ou da “eliminação das atividades domésticas remuneradas”. Argumentos como “esta não é uma atividade degradante” ou “sem este trabalho, muitas mulheres ficariam sem emprego” são duvidosos quando nos referimos ao feminismo. Se não existem condições objetivas para a eliminação dos trabalhos domésticos remunerados em curto prazo, porém não visualizar soluções para esta questão é antifeminista, no mínimo.
Se cada empresa contribui em impostos com 103, 46% do salário de cada funcionário, logo a diminuição desta alíquota pela metade, abriria espaço para que os empresários pudessem criar mais 50% de vagas de trabalho, o que poderia proporcionar a contratação das trabalhadoras domésticas e mais todo o exercito de excluídos, inclusive possibilitando a promoção das redução das jornadas de trabalho em geral, sem prejuízo para a arrecadação de impostos, pois estes impostos retornariam na compra de produtos. Ou bastava que o governo investisse “0,46%” desta alíquota em educação especificamente voltada para a capacitação de famílias com tal perfil e, com uma progressiva aplicação do modelo tributário acima, em duas décadas, existiriam condições objetivas para o fim desta atividade fosse decretada. Lógico que isso significaria uma redistribuição de renda, com definidos traços de reparação étnica, algo que muito incomodaria as elites conservadoras brasileiras. Mas qualquer relutância contra uma futura abolição (mesmo que utópica) deste tipo de atividade deve ser considerada preocupante enquanto “consciência feminista”.
Qualquer leitora ou leitor poderia expressar que “os pontos levantados são todos comuns a luta geral das mulheres, pois ao denunciarmos as desigualdades, já lutamos contra elas, independente de classe racial”. Sim e não. Pois, necessariamente, estas reivindicações generalizadas não assumem um caráter político de reparação étnica, basta que venhamos a observar que vivemos o mais igualitário dos governos federais, em questão de gênero, ao menos no que concerne a distribuição de cargos de primeiro escalão, todavia esta representatividade não apresenta a mesma proporção quando sabemos que, das 9 Ministras da Presidenta Dilma Rousseff, apenas uma pode ser facilmente descritas como afrodescendente. E justamente a fantástica Luiza Bairros foi designada para a pasta da Igualdade Racial, sem que outra mulher negra assumisse pastas com um perfil, digamos, "menos especielizado"(será algum tipo de “conta”?).
Salientamos que não acreditamos que a Dilmapossa ser racista, muito longe disso, mas fundamentalmente, afirmamos que, dadas condições e contradições estruturais do racismo na sociedade brasileira, em seus aspectos sociais e políticos, provavelmente “existam mais mulheres brancas com qualificações tecnocráticas para assumir postos como estes do que mulheres negras” (e a qual seria a resposta feminista para mais este fato?). Não condenamos e nem desresposabilizamos a Dilma pelo “descuido”, só gostamos de lembrar que toda feminista (branca) possui uma responsabilidade racial, da qual ela não pode e nem deve se esquivar.
A tradição geral do racismo brasileiro traz em seu bojo uma sistemática invisibilidade sobre a condição das mulheres negras no Brasil. Diversos estudos solidificaram as contradições raciais dentro da sociedade econômica de classe sexual, tornado o racismo um ponto indubitável para a luta feminista. Contudo, ainda hoje, apesar de vivermos a massificação da internet, não é comum encontrarmos textos de militantes brancas declarando abertamente quais são seus privilégios enquanto classe racial dominante.
É indubitável que os complexos conflitos e interesses gerados por tudo que passou a significar “ser mulher” e “ser mulher negra”, em seus desdobramentos políticos, contribuíram para o surgimento da “convenção” citada no início do texto, mas se os interesses particulares se sobrepuserem ao objetivo final do feminismo, qual seria a atual contribuição coletiva para os futuros rumos do feminismo?
Faz-se tão importante quanto coerente que redes sociais, sites e blogs (fontes de pesquisa) reconhecidamente acessados, como o “Blogueiras Feministas”, por exemplo, ao menos possuíssem um link, em seu menu, sobre o tema “Racismo”. É preciso que nós feministas (brancas) tenhamos comportamentos similares ao de Janet Elliot, no documentário “Blue Eyed” (por favor, pedimos para as MAÇÃS PODRES assistirem os vídeos acima, pois terão mais facilidade de avaliar este texto).
E, quem sabe, uma teoria feminista capaz de dar o derradeiro salto qualitativo que o feminismo brasileiro precisa, poderia surgir destas ações que dialogariam dialeticamente com os textos, artigos e livros já produzidos por feministas como Lelia Gonzalez, Sueli Carneiro, Luiza Barros e todas as demais. Sem convenções fragmentadas e que, em certo modo, os enraizam (como “o feminismo das mulheres negras, das lésbicas, das trabalhadoras rurais, das empregadas domésticas, das acadêmicas, das mulheres”) e "do lado de cá do apartheid" não precisem reproduzir a invisibilidade (ou seria "cegueira"?) por muito mais tempo.
Não nos cabe e nem caberá, enquanto mulheres brancas, escrever sobre o que significar ser uma "feminista negra" ou quais são as reivindicações da cominidade, entretanto, podemos contribuir reconhecendo, denunciando e rejeitando nossos privilégios enquanto mulheres brancas , ou seja, nos alforriando de nosso racismo, da invisibilidade e silêncio que reproduzimos e com isso assumimos nossa responsabilidade sobre a questão, damos relevancia a questão, abrindo espaços para debater nossos privilegios miseráveis¹ de mulher branca, sem deixar “o trabalho pesado” para as filhas de nossas companheiras.
Por um futuro mais plural, porém não fragmentado. Viva o movimento feminista!
Texto: Ana Clara Marques e Patrick Monteiro,
da GRIF MAÇÃS PODRES

(Este texto visa destacar algumas “coisinhas” que passam "em branco" quando nos acomodamos com “o conveniente postulado” de que “existem vários feminismos ao invés de um”. Em outras palavras, no atual contexto histórico, este paradigma pode involuntariamente significar que “cada feminista está engajada nos limites de seus privilégios sociais”, o que enfraqueceria o movimento de mulheres como um todo. Buscamos formentar um posicionamento feminista que nos coloque como agentes de transformação que se reconhecem os conflitos e as contradições de ser sujeito no mundo, reafirmando preceitos da Lelia Gonzales, Sueli Carneiro e Simone de Beauvoir)
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¹- Elaboramos o conceito de PRIVILÉGIOS MISERÁVEIS para designar o conjunto de situações estruturais que funcionam para manter as mulheres em condições de submissão ou "feminilidade". A exaltação da beleza fisica e da maternidade intensiva como principais atributos femininos, as ações cavalhereiscas do mito do amor romântico, as oportunidades e salários dados a mulheres brancas comparado aos das mulheres negras são alguns exemplos do que chamamos de "privilégios miseráveis".

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