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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Ubiratan Castro

O diretor-geral da Fundação Pedro Calmon, Ubiratan Castro, doutor em história e integrante da Academia de Letras da Bahia, faz um apelo pela conservação da história da Bahia. Em entrevista ao Bahia Notícias pede que a sociedade se mobilize para que o governo do Estado eleja como prioridade para a gestão corrente a construção de uma nova sede para o Arquivo Público. Castro revela que a atual sede, da Quinta do Tanque, além dos problemas estruturais, já está saturada: lá não cabe mais nada e o que está pode ser perdido. O gestor torna público ainda que uma verba para a prevenção de incêndios foi captada no BNDES, mas a obra ainda não foi realizada devido à burocracia do Estado.

Por Rafael Rodrigues

Bahia Notícias: As informações que chegam ao Bahia Notícias são de que o arquivo público baiano precisa de ajuda. Infiltrações nas paredes, umidade e falta de estrutura colocariam em risco os arquivos históricos da Bahia, e fala-se até na necessidade da construção de uma nova sede. Qual o raio-X do arquivo público baiano hoje?

Ubiratan Castro: Atualmente, trabalhamos o planejamento do arquivo público baiano em duas vertentes: a primeira é a preservação da atual sede, o da Quinta do Tanque, que é um prédio tombado, mas que não tem as condições ideais para a preservação deste acervo. Estamos realizando reparos. Trabalhamos para março e abril, para evitar que os arquivos sejam atingidos pelo período de fortes chuvas. Estamos realizando serviços de tapar as pingueiras, cuidar do assoalho, mas há muita umidade naquele prédio. Os padres jesuítas que fundaram aquele local o fizeram ali, porque sabiam que lá não faltaria água, pois naquela localidade há duas fontes de água. Agora, justamente aquele local é onde se guarda o arquivo público do estado. A outra vertente, é de que precisamos do apoio e mobilização da imprensa e de toda a sociedade para a construção de uma nova sede, em um terreno a ser definido. Assim como é muito importante a obra da Nova Fonte Nova, a população tem que entender a importância de também construir um arquivo público, para preservar a nossa história e a nossa cidadania. Conversamos com o Instituto de Arquitetos da Bahia (IAB), lançaremos um concurso para que arquitetos nos ajudem a construir essa sede. Nosso arquivo público é o segundo mais importante do país, já que Salvador foi sede da colônia por três séculos. Está atrás apenas do arquivo público nacional, que fica no Rio de Janeiro.

BN: O que esse arquivo público novo significaria na preservação da memória do Estado?

UC: Nas grades bibliotecas do mundo, há documentos que estão em ótimo estado de conservação com mais de 3 mil, 4 mil anos. De acordo com especialistas, não é colocar apenas no ar condicionado gelado. Não adianta fazer isso, pois na verdade você tem que manter mais em uma temperatura estável. E se você manter uma temperatura estável a 28°, isso é melhor que um ar condicionado que liga e desliga, que esquenta e esfria. Há toda uma arquitetura especializada hoje na construção de arquivos. Há todo um recurso hoje de microfilmagem, de digitalização, que permitem que qualquer pessoa consulte os dados do arquivo sem precisar pegar no papel. Hoje você pode guardar esse papel original com o maior cuidado, e abrir o acesso às informações na mídia eletrônica. Em computadores, ou mesmo colocar isso na rede, na internet.

BN: Atualmente, como se dá essa consulta ao arquivo público baiano?

UC: Temos uma sala de consulta dos impressos, que é o carro-chefe, que cotidianamente pesquisadores, não só de Salvador, de outros estados e de outros países se dirigem; e temos uma sala de consultas de microfilmes. Paralelo à essa pesquisa, que é mais de interesse científico, existem as demandas do cidadão, que nós prestamos também atendimento quando eles buscam a comprovação de diretos, de posse de terras, de escolaridade. Por exemplo, temos muita demanda por conta da comunidade européia, de pessoas que tem interesse de identificar parentes de outras origens para pleitear cidadanias de outros países. Isso tem aumentado cada vez mais. Mas também prestamos um atendimento à distância, porque no momento a base que o arquivo tem ainda não está disponibilizada na internet. Nesses quatro anos voltamos a alimentar a base e procedemos também a revisão, para agora, neste momento, a gente se preparar para, em um futuro próximo, disponibilizar esses arquivos na internet e esse pesquisador já saber do que nós dispomos. Hoje existe um atendimento à distância, em que nós recebemos um e-mail com as demandas de consulta, e verificamos se temos, e se tivermos informamos. Temos também uma biblioteca especializada em história da Bahia, e prestamos, além do cidadão, atendimento a alguns órgãos da administração pública: a Procuradoria-Geral do Estado (PGE), a Secretaria de Administração, a Secretaria de Segurança Pública, e outros. Foram cerca de 30 mil consultas ao arquivo em 2010. Apesar disso, a maioria das pessoas não conhece o arquivo público ou sabe sua utilidade.

BN: Qual a urgência da criação, então, desse novo arquivo público? Quanto tempo o atual arquivo ainda suporta?

UC: A demanda pela construção de um novo arquivo é pra já. O arquivo na Quinta do Tanque está congelado. Ele não agüenta mais, não tem mais espaço, não tem mais condições físicas de acompanhar o crescimento da documentação baiana, tanto pública quanto privada. Então já está no momento em que nós estamos deixando de recolher a memória do estado, por conta da falta de espaço. Corremos o risco, pelas más condições de temperatura, de umidade, de perder a memória que nós já temos guardadas. É uma coisa que para nós é prioridade é resolver neste segundo mandato do governador Jaques Wagner (PT) resolver a questão do arquivo público. A gente sabe que temos um mandato para resolver isso, são quatro anos, parece que é muito, mas não é. A gente tem que ter toda uma tarefa técnica, de definir prioridades, temos uma tarefa de buscar os recursos e temos a tarefa da construção. A construção de um prédio complexo, porque o arquivo é uma coisa complexa, além de todas as dificuldades burocráticas.

BN: O que seriam essas dificuldades burocráticas?

UC: Por exemplo: nosso arquivo conseguiu recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, para a instalação de todo um sistema anti-fogo, de prevenção de incêndio, que é fundamental, o prédio do arquivo público é muito antigo e tem deficiências. Mas a legislação exige que a gente tenha um parecer favorável do corpo de bombeiros. Há quase dois anos que esse processo está no corpo de bombeiros sem que seja dado um parecer, pra dizer que ta bom, ou que não. Na verdade, a gente vem lutando para não perder esse recurso, e você veja que devido a um procedimento burocrático, algo que é tão urgente como proteger o arquivo público, um prédio velho, do fogo, é adiado por anos. A gente tem uma burocracia muito lenta. A gente precisa hoje urgentemente deste parecer. Infelizmente boa parte das pessoas tem uma visão extremamente errada de arquivo. Acha que arquivo é papel velho, e papel velho está lá só ocupando espaço. Nos papeis velhos é que estão nossos direitos, nossa memória. Direitos inclusive financeiros. Quando você compra uma terra, você tem que levantar uma cadeia sucessória para saber quem foi que comprou aquela terra, de onde é que ela veio, se é grilado ou não, se quem ta lhe vendendo é um oportunista. Porque se não, você compra e não leva. Então, tudo isso depende do arquivo.

BN: Qual era o estado do arquivo público quando assumiu o governo, em 2007?

UC: Não havia esse hábito de preservar, da pratica de higienização dos depósitos e de intensificar essa limpeza, porque a higienização é necessária para que a gente não precise fazer a restauração. Se você estiver limpo, com a ventilação e luminosidade devida, você está favorecendo a sobrevida daquele documento. Mas se você nunca limpar, inevitavelmente acabar perdendo parte do arquivo.

BN: Foi encontrado algum tipo de arquivo que já não tinha mais como ser recuperado, em alto estágio de decomposição?

UC: Não, nós não encontramos uma situação dessa. O que encontramos foi poeira, que a gente tem aperfeiçoado a limpeza, e microrganismos. Mas agora, se você for ao arquivo, não vai mais encontrar nenhum documento no chão. Todos estão nas estantes, em caixas, classificados, acondicionados. Agora claro que existem documentos mais fragilizados.

BN: Mudando um pouco de assunto, quanto à iniciativa do atual secretário de Comunicação, Albino Rubim, de manter o corte do financiamento de projetos de órgãos ligados à Secult pelo Fundo de Cultura, atrapalha sua gestão? O senhor considera essa atitude correta?

UC: Eu considero injusto que o poder público dispute a mesma verba com os produtores culturais do Fundo de Cultura, então a decisão é correta. Mas nós continuamos buscando financiamento para os nossos projetos via Ministério da Cultura e as dezenas de editais pelo país.

BN: O senhor foi, por quatro anos, presidente da Fundação Palmares, quando pôde ajudar a formulação da política internacional de aproximação do Brasil com países da África. Integrou, inclusive, a comitiva presidencial em visitas oficiais. Agora, o presidente Lula está sendo criticado por ter afirmado que o ditador da Líbia, Muamar Kadhafi, era seu “irmão” e “amigo”. Lula chegou a dizer que era um "preconceito premeditado" da imprensa a crítica à sua proximidade com ditadores da região. Agora, acredita que essa aproximação foi prejudicial ao Brasil?

UC: É o papel do Brasil se relacionar com estes países e respeitar o poder constituído. Claro que em uma situação extrema, como a que se vive agora, com o exército em jatos atirando contra a população, o presidente Lula condenaria, como o governo brasileiro, agora com a presidente Dilma Rousseff, o faz. Mas a política do presidente Lula de aproximação com a África foi extremamente positiva. Nos quatro anos que estive na Fundação Palmares pude participar de ao menos dez viagens à África, seja com o ministro Gilberto Gil (Cultural), seja com o ministro Celso Amorim (Relações Exteriores), seja na comitiva do presidente Lula. É uma política sem nenhuma pretensão hegemônica, de negociações em condição de igualdade. Lula foi o primeiro presidente brasileiro que visitou oficialmente um país africano. Tanto que o presidente do Senegal disse que Lula foi o presidente negro do Brasil.

* Tereza Matos, diretora do Arquivo Público, também participou da entrevista com informações sobre o arquivo.

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