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sábado, 12 de fevereiro de 2011

Egito, Tunísia e outras revoluções, mas onde estão as mulheres?

Começamos 2011 acompanhando as reviravoltas políticas no mundo árabe, com destaque significativo para as mobilizações da Tunísia e do Egito contra os governos ditatoriais que ali estavam implantados há decadas nestes países. Notícias sobre as mobilizações conseguimos de todas as formas, fosse pelos meios alternativos como blogs e redes sociais – mesmo que, no caso do Egito, Mubarak tenha desplugado o país do mundo – ou pela grande mídia. As informações sobre os acontecimentos no mundo árabe estavam chegando, fosse com uma leitura mais pró-EUA e Israel normalmente evidenciada pela grande mídia tendo como principal vetor a vênus prateada, fosse informações mais relacionadas com as mudanças reivindicadas pelos povos destes países e estas normalmente obtidas por sites anti-capitalistas, blogs e redes sociais.

Porém há uma dificuldade real de se encontrar textos, matérias, posts sobre o papel da mulher nestes processos, óbvio que na grande mídia este tipo de abordagem não teria espaço, visto que estes meios de comunicação pretendem continuar com o status quo, porém a dificuldade também se encontra nos meios alternativos, infelizmente a história ainda é escrita sob a ótica dos homens e a nossa importância nos processos históricos, muitas vezes decisiva, é colocada de lado. Como disse, não é de hoje, na verdade se formos lembrar de momentos históricos onde houve organização da classe trabalhadora para derrubada de poder veremos que as mulheres estiveram presentes fortemente e muitas vezes foram estopim para marcos importantíssimos da luta contra o capital e pela democracia.

23 de fevereiro (8 de março no calendário russo), era o dia internacional das mulheres estava programado atos, encontros etc. Mas não imaginávamos que este “dia das mulheres” viria a inaugurar a revolução. Estava planejado ações revolucionárias mas sem data prevista. Mas pela manhã, a despeito das diretivas, as operárias têxteis deixam o trabalho de várias fábricas e enviam delegadas para solicitarem sustentação da greve… o que se transforma em greve de massas…. todas descem às ruas. (TROTSKY, Leon. História da Revolução Russa)

Sempre fomos um pouco espevitadas, até por que ainda somos nós mulheres e principalmente as negras as mais pobres entre os mais pobres, então faz sentido nos mobilizarmos e termos forjado nossa luta dentro da perspectiva anti-capitalista por conta da nossa exploração e opressão. Tivemos participação importante na Revolução Francesa – mesmo que depois os homens tenham nos negado os mesmo direitos assegurados a eles -, Comuna de Paris, Revolução Russa, nas lutas contra diversos regimes militares na América do Sul, processos com características diferentes, mas que contaram com o não menos importante protagonismo político das mulheres fosse na organização de protestos ou mobilização.

As mulheres do povo nas províncias de Delfinado e da Bretanha foram as primeiras a atacar a monarquia. (…). Participaram nas eleições dos deputados para os Estados Gerais e seu voto foi reconhecido unanimemente. (…). As mulheres de Angers redigiram um manifesto revolucionário contra o domínio e a tirania da casa real, e as mulheres proletárias de Paris participarama na tomada da Bastilha, onde penetraram com as armas na mão. Rose Lacombe, Luison Chabry e Renée Ardou organizaram uma manifestação de mulheres que se dirigiu a Versalhes e levaram Luís XVI a Paris sob restrita vigilância. (…). As peixeiras do mercado mandaram especialmente uma delegação aos Estados Gerais para ‘animar os deputados e lembrar-lhes das reivindicações das mulheres’. ‘Não se esqueçam do povo!’, gritou a delegada aos 1200 membros dos Estados Gerais, ou seja, à Assembléia Nacional Francesa. (…). Porém, muito tempo após a consolidação da revolução, a memória das ‘cruéis e sanguinárias’ tecelãs assombravam as noites da burguesia. Quem eram, pois, essas tecelãs, essas fúrias, como faziam questão em chamá-las os aprazíveis e pacíficos contra-revolucionários? Eram artesãs, camponesas, operárias em domicílio ou de manufaturas, que odiavam a aristocracia e o Ancien Régime de todo coração e com todas suas forças. Frente ao luxo e ao esbanjamento da nobreza arrogante e ociosa, reagiram com um instinto de classe seguro e apoiaram a vanguarda militante por uma nova França, em que homens e mulheres tivessem direito ao trabalho e onde as crianças não morressem de fome. Para não perderem tempo inutilmente, essas honradas patriotas e essas zelosas operárias continuaram tricotando suas meias, não só em todas as festas em todas as manifestações, mas também durante as reuniões da Assembléia Nacional, bem como aos pés da guilhotina, ao assistir execuções capitais. Por outro lado, não tricotavam essas meias para si mesmas, mas para os soldados da Guarda Nacional – convertidos em defensores da revolução. (KOLLONTAI, Alexandra. Mulher, história e sociedade. Sobre a libertação das mulheres)

Devido a este histórico importante da participação das mulheres nas principais mobilizações mundiais que a falta de imagens, relatos, matérias e afins sobre a participação das mulheres nos processos árabes e esta preocupaçãoapareceu pela blogosfera de maneira até mesmo tímida e sem grande alarde como as outras notícias relacionadas aos processos árabes.

Não me espanta a participação das mulheres nas revoluções democráticas que vem se desenhando pelo mundo árabe, justamente por tudo já apresentado aqui, na verdade os acontecimentos no Egito e Tunísia nos mostram o quanto com o avanço da consciência da população também influe no avanço da consciência em relação as diferenças de gênero, as mulheres foram pra rua nestes países e a prova de sua importância é a de que não houve registro de abusos por parte dos manifestantes pra cima delas. Tanto na Tunísia quanto no Egito as mulheres tem ajudado a organizar as manifestações, a levar pessoas pra rua e muitas vezes ajudar aqueles que por algum motivo se ferem durante as manifestações, na Tunísia havia uma relação importante entre o movimento feminista e as demandas de um estado democrático e laico e esta é uma preocupação real do movimento feminista tunísio, pois garantir a separação entre política e religião é imprecindível para que avancemos na discussão dos direitos das mulheres.

Se na Tunísia a participação das mulheres em peso, ajudando a organizar as manifestações e lutar pela democratização do estado era esperada por conta da história do movimento feminista no país, no Egito a participação foi encarada como uma surpresa, justamente por conta do medo de que houvesse assédio contra as mulheres durante as manifestações, há uma noção de que este processo de mobilização no Egito não colocam uma pedra no machismo ali existente, mas é parte importante para o avanço do debate sobre o papel das mulheres na sociedade e na nova configuração de regime que ali aparece.

So why are women so much more involved in this protest, called “The Day of Anger,” than in previous demonstrations against the Egyptian government? The Facebook-initiated groups are unaffiliated with a major opposition group. These protests also seemed safer. Organizers urged those attending to make it a peaceful one, and this became a rallying cry in some areas of the city on Tuesday. Moreover, Egypt’s educated youth, men and women, were fed up with a government that had not changed at all in most of their lifetimes, and which cuts even the educated off from any opportunity. And then there was Tunisia. Suddenly, attending the protest seemed not only worth the risk, but capable of inciting real change. (KRAJESKI, Jenna.Women are substancial of egiptian protests)

Então por que as mulheres estão muito mais envolvidas neste protesto, chamado “Dia da Ira”, que em manifestações anteriores contra o governo egípcio? Os grupos que se formaram no Facebook não são filiados a grandes grupos de oposição. Estes protestos também pareciam mais seguros. Os organizadores exortaram os participantes do protesto para torná-lo pacífico, e isso se transformou em um grito de guerra em algumas áreas da cidade, na terça-feira. Além disso, os jovens educados do Egito, homens e mulheres, estavam cansados de um governo que não havia mudado durante a maior parte de suas vidas, e que até mesmo cortava aqueles educados de qualquer oportunidade. E então houve a Tunísia. De repente, participar do protesto parecia não só valer a pena o risco, quanto ser capaz de incitar uma verdadeira mudança. (TSAVKKO, Raphael. Tradução do Global Voices)

Não é de hoje que a participação das mulheres em grandes momentos históricos é deixada de lado, mesmo sendo parte importante dos processos, a falta de informações e cobertura da mídia sobre a participação destes atores nas revoluções democráticas da Tunísia e Egito só deixa cada vez mais claro o quanto ainda é preciso avançar para combater o machismo tão arraigado na sociedade, mas também nos mostra o quanto em um processo revolucionário a igualdade se impõe e as mulheres protagonizam embates importantes nestes momentos. Mas infelizmente ainda são colocadas à sombra, mesmo que vejamos imagens fantásticas como a deste vídeo abaixo:

Estamos a frente das mobilizações que no caso da Tunísia depôs Ben Alí e no Egito cada dia mais a permanência de Mubarak é insustentável e estas vitórias tem participação massiva das mulheres, mas somos esquecidas nos relatos, moções e imagens que por aí são veiculadas, a história continua a não contar o papel das mulheres, assim como o jornalismo e a militância. As mulheres do mundo árabe precisam e devem ser lembradas por encampar tão importante luta, pois sem elas as mobilizações não teriam o peso que tem, não haveria tantos protestos organizados. Apesar das dificuldades há imagens fortes e significativas da participação feminina nas manifestações egípcias e tunísias que podem ser vistas respectivamente aqui e aqui.

Este texto só saiu por conta das indicações de textos do Raphael Tsavkko e do Lucas Morais.

Fonte: Blog Bidê Brasil

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