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domingo, 13 de fevereiro de 2011

Sexismo na linguagem: algumas notas

Não é necessário o uso de @ para incluir as mulheres. Tem soluções mais criativas para transformar a linguagem. E quando transformarmos a linguagem transformaremos a realidade.
Teresa Meana Suárez

Lembro com tanta nitidez que parece que foi ontem, mas faz quase trinta anos. Seria aproximadamente 1973 e estávamos numa assembléia na Faculdade de Filosofia, em Oviedo. Havia muita gente e muita confusão e alguém -um homem, claro- gritou: Caralho! Isto é uma assembléia ou o que? Outro -um fascista, claro- advertiu: Cuidado com as palavras, tem senhoritas presentes!

Foi exatamente assim e, naturalmente, a advertência do fascista foi acolhida com um certo regozijo geral. Como naqueles tempos de forte luta contra a ditadura de Franco as assembléias tinham turnos intermináveis de falas, passou-se um longo tempo, com as mais diversas intervenções. No final, se levantou Begoña -uma amiga feminista- e falou: Eu só quero dizer uma coisa: Caralho! A mim, feminista, desde que me lembro, aquilo me fascinou. Senti que Begoña acabava de nos devolver a todas a voz, a existência. Éramos de novo pessoas -como eles- e não “senhoritas” e tínhamos direito a palavra. A todas as palavras. Na luta por existir, se queríamos ser reconhecidas e nomeadas no “seu” mundo, tínhamos que adotar a “sua” linguagem. Begoña acabava de afirmar em voz alta: a língua também era nossa. Conto esse fato para tentar explicar o apaixonante processo, o caminho recorrido neste mais de vinte e cinco anos de atuação do movimento feminista no tema do sexismo na linguagem. Um trajeto em que nos conscientizamos de que tomar a parte da língua que nos negava equivalia a aceitar o silêncio. Também aprendemos, como assinala Christiane Olivier, que se utilizamos a linguagem considerada “universal”, que é o masculino, falamos contra nós mesmas.

SILENCIADAS, DESPREZADAS

Na luta por essa linguagem que nos representasse às mulheres e que enfrentasse o sexismo lingüístico, passamos por diferentes etapas. No princípio tratamos apenas de detectá-lo. Nunca o havíamos notado e não éramos conscientes de como a linguagem nos discriminava. Começaram a surgir os estudos e os trabalhos sobre o tema.

Concretizamos o sexismo em dois efeitos fundamentais: o silêncio e o desprezo. Por um lado, o ocultamento das mulheres, nosso silêncio, nossa não existência. Estávamos escondidas detrás dos falsos genéricos: esse masculino que, havíamos aprendido na escola, “abarca os dois gêneros”. E também estávamos ocultas detrás do salto semântico. Devemos a Álvaro García Meseguer a definição desse erro lingüístico devido ao sexismo: expressado naquilo de “todos na vila baixaram até o rio para recebê-los, ficando na aldeia apenas as mulheres e as crianças. Então, quem baixou? Somente os homens?

Por outro lado estava o desprezo, o ódio em direção às mulheres. Se manifestava nos duplos aparentes (governante/governanta, verdureiro/verdureira, frio/fria, etc.), nos vazios léxicos, nos adjetivos, advérbios, refrãos e frases feitas, etcétera., etc., etc.

SURGEM MIL E UMA SOLUÇÕES

Depois de detectar o sexismo na linguagem, começaram a aparecer diferentes recomendações para um uso não sexista da língua. Desde meados dos anos 80 o feminismo avança em estratégias para combater tanto o silêncio como o desprezo, e as soluções vão se aperfeiçoando e se redigindo novas instruções. Até 1994 aparece na Espanha o livro Nombra, elaborado pela Comissão Assessora para a Linguagem do Instituto da Mulher, verdadeiramente esclarecedor e útil.

As possibilidades que nos coloca são realmente variadas, criativas e diversas. Frente aos difíceis e contínuos (o/a, o (a), o-a) nos oferecem: a utilização de genéricos reais (vítimas, pessoas, vizinhança -e não vizinhos-, ‘população valenciana’ -e não ‘valencianos’). Também o recurso aos abstratos (a redação e não os redatores, a legislação e não os legisladores). Mudanças também nas formas pessoais dos verbos ou dos pronomes (no lugar de Na Pré-história os homem viviam… podemos dizer os seres humanos, as pessoas, as mulheres e os homens e também na Pré-história se vivia… ou na Pré-história vivíamos…).

Outras vezes podemos substituir o suposto genérico homem ou homens pelos pronomes nós, nosso, nossa, nosso ou nossos (É bom para o bem-estar do homem… substituído por É bom para o nosso bem-estar…). Outras vezes podemos mudar o verbo da terceira para a segunda pessoa do singular ou para a primeira do plural sem mencionar o sujeito, ou colocar o verbo na terceira pessoa do singular precedida pelo pronome se (‘Se recomenda aos usuários que utilizem corretamente o cartão’ … substituído por ‘Recomendamos que utilize seu cartão corretamente…’ ou ‘Se recomenda o uso correto do cartão’). Ou ainda as mudanças do pronome impessoal (‘Quando um se levanta’ ficaria ‘Quando alguém se levanta’ ou ‘Ao levantarmos’ e também mudaríamos ‘O que tenha passaporte ou Aqueles que queiram…’ por ‘Quem tenha passaporte…’ ou ‘Quem queira…’).

Também temos recomendações para corrigir o uso androcêntrico da linguagem e evitar que não se nomeiem as mulheres como dependentes, complementos, subalternas ou propriedades dos homens (Os nômades se transportavam com seus utensílios, gado e mulheres, Se organizavam atividades culturais para as esposas dos congressistas. Às mulheres lhes concederam o voto depois da Primeira Guerra Mundial), oferecendo-nos múltiplas e variadas soluções. E assim mais, muito mais.

A LINGUAGEM NÃO É NEUTRA

Já existiam duas posturas distintas no movimento feminista acerca dessas questões. As que defendem a posição de que as mulheres devemos apropriar-nos do genérico e considerar específico aos homens. Por exemplo: num centro de ensino seríamos –mulheres e homens- professores, e se nos referimos a Juan, diríamos professor homem e a Ana poderíamos dizer ela é o melhor professor do instituto. A outra posição é das que pensamos que o genérico não é universal. Seguindo com o exemplo anterior: eles e nós seríamos o professorado ou as professoras e professores.

A primeira postura se expressa assim: O genérico, o neutro, o universal é patrimônio de todos. Deve-se denunciar a falsa universalidade, mas também se deve reivindicar a participação das mulheres no universal. Nós pensamos que não é certo que o genérico seja patrimônio comum. Os vocábulos em masculino não são universais por não englobar às mulheres. É um fato que nos excluem. Diz-se que são universais porque o masculino se ergueu ao longo da história na medida do humano. Assim os genéricos se confundem com os masculinos.

QUEREMOS NOMEAR A DIFERENÇA
Ademais, pensamos assim porque queremos nomear o feminino, nomear a diferença. Dizer meninos e meninas ou mães e pais não é uma repetição, não é duplicar a linguagem Duplicar é fazer uma cópia igual à outra e este não é o caso. A diferença sexual já está dada, não é a língua quem a cria. A linguagem apenas a nomeia, uma vez que existe. Nomear essa diferença é não respeitar o direito à existência e à representação dessa existência na linguagem.

García Meseguer diz que de uma maneira simplista as duas posições poderiam se resumir em torno das recomendações de Nombra e aos inconvenientes que trás em adotá-las. A uma corrente –onde me incluo- importariam mais as mulheres que a linguagem, e a outra corrente importaria mais a linguagem que as mulheres. De qualquer maneira, a todos esses esforços feitos devemos avanços incríveis, também, coincidências e acordos em torno da detecção do sexismo e ao lugar das mulheres na linguagem, a invisibilidade nos genéricos, a denúncia dos homens representando os conceitos da humanidade e de universalidade, a crítica a invasão do pensamento androcêntrico e da cultura patriarcal como referentes e tantas descobertas mais. E a todos os esforços devemos as extensas análises de dicionários, meios de comunicação, textos literários, linguagem coloquial e teses, artigos, livros, conferências, mesas redondas, apaixonantes e apaixonadas conversas sobre este problema, tanto na língua castelhana como em outras línguas.

MULHERES ESCRITORAS: HEROÍNAS MEMORÁVEIS E OCULTAS

Mais do que o falar, o escrever para as mulheres tem sido visto como a usurpação de um direito que não lhes pertence e, ademais, como uma prática inútil, como aquilo não lhes corresponde. Disse Virginia Woolf: Creio que passará ainda muito tempo até que uma mulher possa sentar-se a escrever um livro sem que surja um fantasma que deve ser assassinado, sem que apareça uma pedra no meio do seu caminho.

Do livro de Yadira Calvo À mulher pela palavra, me permito mostrar algumas histórias. A de Fanny Burney queimando todos os seus originais e colocando-se a fazer trabalho de ponto como penitência por escrever. A de Charlotte Brönte deixando de lado o manuscrito de Jane Eyre para descascar batatas. A de Jane Austen escondendo os papéis cada vez que entrava alguém, pela vergonha de que a vissem escrever. A de Katherine Anne Porter declarando haver tardado vinte anos para escrever uma novela. Era sempre interrompida por alguém que, em algum momento aparecia no meu caminho. Porter calculava que só pode empregar uns dez por cento de suas energias para escrever. Os outros noventa por centro usei para poder manter minha cabeça fora d´água, dizia.

Recordo essa foto de María Moliner remendando meias com um ovo de madeira, enquanto escrevia sua obra, Dicionário do uso do castelhano ia nascendo entre panelas e coadores. Leio as queixas de uma Katherine Mansfield reprovando a seu marido: Estou escrevendo mas tu gritas: São cinco horas, onde está meu chá? Ou o doce lamento de uma cubana do século passado que não assinou suas obras: Quantas vezes lentamente/ com plácida inspiração/ formei uma oitava na minha mente/ e minha agulha inteligente/ remendava uma calça! Por isso disse Virginia Woolf a propósito da duquesa de Newcastle: Sabia escrever na sua juventude. Mas suas fadas, caso tenham sobrevivido, se transformaram e hipopótamos.

Outro fato gravíssimo: a atribuição das obras das mulheres a outros, e em especial a seus maridos. Esse deve ter sido um fenômeno muito freqüente pois temos muitas referências. Desde o artigo publicado em 1866 por Rosalía de Castro As literatas: carta a Eduarda, onde a escritora faz essa advertência, até as palavras de Adela Zamudio, escritora boliviana do século XX: Se alguns versos escreve /de alguns esses versos são,/ que ela apenas os subscreve/ (Permita-me que me assombre.)/ Se é alguém não é poeta,/ Por que tal suposição?/ Por que é homem!

Estão também os fatos históricamente comprovados: o célebre caso de María Lejarraga, autora das obras assinadas por seu marido Gregorio Martínez Sierra. E o fato de que foi o marido quem proibiu a Zelda Fitzgerald de publicar seu Diário porque ele o necessitava para seu próprio trabalho. E as primeiras obras de Colette que apareceram assinadas com o nome de seu marido, que inclusive cobrou o dinheiro de sua venda. Alguém dirá que vou muito atrás e que a humanidade mudou nos últimos vinte séculos. Pois bem, no ano 2000 e na Espanha só dez por cento dos livros publicadas foram escritos por mulheres.

MUDAR A LINGUAGEM, MUDARÁ A REALIDADE

Não obstante, existem mulheres capazes de escalar a encosta do proibido, de roubar da vida esses dez por cento de energia necessários para manter a cabeça fora da água. E a mantém. E escrevem. E editam. E aquí seguimos todas as demais. Lutando e celebrando os novos êxitos. Estendendo a rede para que todas as mulheres da terra tenham direito à voz, à palavra. Sabendo que vemos o mundo através do tecido formado pela língua e motivadas pela certeza de que a linguagem sexista, a que aprendemos, contribui para a perpetuação do patriarcado. Sabendo também que quando tenhamos uma linguagem que nos represente mudará a realidade. Por isso seguimos adiante. E não adormecemos mais às meninas com contos de fadas. Dizemos que as boas meninas vão para o céu e as más vão para todos lugares. E que colorín colorado, esta historia no ha acabado.

http://www.envio.org.ni/articulo/1149

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