O Estatuto da Igualdade Racial foi aprovado na Câmara dos Deputados e vai ao Senado Federal. O debate continua. O parlamento e a mídia estão nos pautando de novo e nos impondo uma falsa divisão: quem é a favor do texto e quem é contra o texto. Não se trata disso. Pode parecer que quem é a favor do texto aprovado é conservador e medroso e quem é contra é libertário e valente.
O mundo sempre foi dividido entre os escolhidos e capazes e entre os não escolhidos e incapazes. A massa de negros e a mestiçagem negrificada afro-brasileira sempre foram ungidas com a tarja insossa de não escolhidos e incapazes. Legaram-nos conceitos diferenciadores - branco, negro, eugenia, raça - e dizem que somos nós que dividimos o país. Não, não somos um país hegemonizado (nem materialmente nem ideologicamente) por mestiços ricos e nem tampouco por imigrantes europeus pobres.
É verdade que, o texto aprovado - em relação a outros textos anteriormente apresentados, não necessariamente o primeiro - foi mutilado e esvaziado por um confronto organizado de uma elite medrosa, representada neste momento por segmentos conservadores, etnocêntricos e racistas que pautaram uma série de estragos ao texto do substitutivo. Uma certa mídia e uma certa elite intelectual, usam todas suas armas contra nós e desenterram velhas categorias que não usamos mais – tais como a do “racismo biológico” (“Uma Gota de Sangue de Magnoli”).
Contudo, temos que admitir que o texto aprovado é fruto histórico de nossas seculares lutas. Nada que está impresso no Projeto de Lei 6264/05 após a aprovação na Câmara Federal, foi generosidade do legislador nem tampouco uma invenção procedimentalista de notáveis da república dos iguais. Parte expressiva do que ali se encontra tem gotas de sangue de lutadores em séculos pela igualdade e pela emancipação negra no Brasil. Isto não que dizer que tenhamos que fazer isto ao lado de Deputados ou de Ministros do Governo Lula.
Temos que fazer uma distinção: uma coisa é o governo ou algum outro setor da sociedade nos impor uma legislação que dita as estratégias da superação das desigualdades raciais no Brasil. Outra é esforço que fazemos para refundar o Brasil em bases civilizatórias pluralistas, equitativas e emancipatórias. Tudo que está no estatuto mutilado, ainda é nosso patrimônio e nosso caminho estratégico para novas conquistas. Sinto-me feliz pelo Estatuto. Sinto-me triste por não alcançar o que queria com o Estatuto.
Mesmo com um estatuto mitigado, estamos fazendo muitos estudos, projetos e ações em muitas áreas da vida humana. Nossas construções epistemológicas em saúde, comunicação, direito, estado, artes, cultura, religiosidade, cibernética, e negócios têm contribuído para afirmar uma identidade negra. O Plano Nacional da Saúde da População Negra e a Política Nacional para Quilombos não existiam no texto original do Senador Paulo Paim.
Acredito na contra-hegemonia do texto aprovado num cenário parlamentar de minorias de negros e de negras. Defendemos que nossas lideranças e representações no governo e fora dele, voltem a se encontrar, por exemplo, como no tempo da ditadura militar e pautem um projeto para o povo negro no Brasil, onde discutamos a contrapartida social dos 06 trilhões do pré-sal, do trilhão e meio do orçamento da união e os mais de 600 bilhões do PAC. Altruísmo e magnitude não se compram e nem se artificializam. Afinal de contas, não podemos pautar os recursos que financiam os nossos projetos de maneira apenas individualizada e partidarizada.
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