Provocado pela mídia me desloquei com um amigo para o show de Beyoncé no Parque de Exposições. Havíamos comprado ingressos para a pista Vip, área restrita a quem pagasse R$ 370. Enquanto assistíamos ao show de Ivete Sangalo veio um exemplo de racismo institucional. Uma guarnição da Polícia Militar abruptamente abordou o meu amigo, circundando- o e já levando-o de modo truculento, sem nada perguntar.
Ao me aproximar para saber o que estava acontecendo, os soldados me afastaram. A resposta do corpo policial traduziu força e ameaça, mesmo que implícita, sem nenhum texto, a não ser o gestual, e demonstrou que não há verbo capaz de estabelecer um diálogo entre sujeitos que detém e os que devem ser alijados de alguma relação com aqueles que personificam o poder.
O meu amigo estupefato não reagiu. Foi levado para um canto da pista VIP, próximo aos holofotes e humilhado pela revista policial, como se estivesse cometido um delito. Por fim, após a crueldade de todo o rito da PM, ouviu a seguinte frase: “houve um roubo aqui na área VIP e soube que a pessoa era do seu estilo”. Qual estilo, cara pálida? Respondo: o da cor/raça. Meu amigo é negro retinto.
A área VIP era formada majoritariamente por indivíduos de classe média e branca. Se comparada com a área de pista mais barata, ali havia uma proteção policial considerável, mesmo sendo uma área reservada e sem grande fluxo de pessoas. A lógica da distribuição policial em espaços de eventos elitizados parece obedecer a critérios. Quais? Procuremos os sentidos implícitos, já manifestos na distribuição desigual da PM na cidade do Salvador.
Diante desse fato de racismo explícito, o que dizer dos olhares das pessoas diante de tal brutalidade? Ao ver um negro sendo levado por policiais, mesmo ele estando na área VIP, algo que indica um diferencial em termos de classe, um sentimento de proteção emana das cabeças ali situadas.
A naturalização do racismo – uma pessoa negra sempre é suspeita – associa-se aos que imaginam estarem sempre sendo protegidos pela corporação militar. Exemplos como esse abundam no País. O diferencial é que foi na ala VIP de um show. Lembro-me que no debate sobre as cotas raciais nas universidades os que eram contrários insistiam em dizer que no Brasil era difícil definir quem é negro. A resposta dos ativistas atualizou-se na área VIP para ver Beyoncé: “pergunte a polícia. Ela saberá”.
Jocélio Teles é doutor em Antropologia e coordenador do Programa de Pós Graduação em Estudos Étnicos e Africanos da Ufba (Pós Afro).
Você encontra aqui conteúdos da disciplina História e Cultura Afro- Brasileira para estudos e pesquisas, como também, assuntos relacionados à Política, Religião, Saúde, Educação, Gênero e Sociedade.
Enfim assuntos sobre o passado e sobre nosso cotidiano relacionado à História do Brasil e do Mundo.
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OLá
ResponderExcluirConheço Jocélio, embora não sejamos amigos, da época de Faculdade. Uma pessoa coerente antropologicamente e, até onde eu saiba, uma criatura humana e cordial. ?Isto é um absurdo!
Ele não vai denunciar? Sim, ele tem razão, a polícia, o porteiro de condomínio de luxo e de boate, funcionário de loja de departamento e supermercado, alguns estudantes de medicina, alguns professores burgueses de IES privada e outros sabem dizer quem é negro no Brasil....e como sabem!
Muito bom seu blog !
Realmente um absurdo o que aconteceu com o amigo do professor Jocélio. Estive nesse show e presenciei o acontecido, foi lamentável...
ResponderExcluirObrigada pelos elogio... Fico feliz por vc ter gostado.