É correto afirmar que a consciência negra é uma construção política. Steve Biko (1970)[1], em seu texto “A consciência negra e a busca da verdadeira humanidade” do livro “Escrevo o que eu quero”, publicado em 1990 no Brasil, define a consciência negra como um laço de solidariedade entre negros.
Steve Biko fala do contexto em que a África do Sul vivia o apartheid, e a população negra encontrava-se em condição desfavorável em relação aos brancos.
Para Biko, falar sobre a consciência negra seria irrelevante em uma sociedade igualitária, em que as pessoas não fossem exploradas ou diferenciadas pela cor da sua pele. Ele afirma que a questão da discriminação baseada na cor foi deliberada por razões econômicas para favorecer um grupo em detrimento de outro. Biko propõe uma reflexão crítica sobre a construção de uma “verdade” cuja motivação é “a autoridade, a segurança e o conforto”, ou seja, na relação entre grupos colocados sobre fronteiras diferentes, o privilégio do qual goza um dos grupos é construído e naturalizado como se o seu lugar fosse estabelecido, e não edificado socialmente, o que cria barreiras para os grupos que estão fora da linha do privilégio, tornando mais lento seu processo de mobilidade social.
Na perspectiva do autor, quando um grupo tem a oportunidade de vivenciar a riqueza, a segurança, o prestígio, pode começar “acreditar numa mentira óbvia e aceitar como normal que só ele tenha direito ao privilégio”, convencendo-se de todos os argumentos que sustentam a mentira. Assim, o que seria uma questão econômica, para manter regalias, pode se transformar em um problema sério em si mesmo, que neste caso seria o desprezo e a crença na inferioridade do negro pelo branco.
A mentira naturalizada como verdade é sustentada através de mecanismos institucionais que negam aos negros oportunidades de provar que são iguais aos brancos impossibilitando-os de adquirir conhecimentos e de serem protagonistas de suas próprias vidas. Para Biko “os limites dos tiranos são determinados pela resistência daqueles a quem oprimem”,
A consciência negra, defendida por Biko, quer desmistificar o lugar do negro, mostrando-o como teve a sua humanidade roubada, e uni-los em torno daquilo que se tornou causa de sua opressão, a cor da sua pele, para assim trabalharem em conjunto pela libertação das amarras ideológicas. Esta consciência propaga o “orgulho grupal” e estimula que os negros exerçam suas potencialidades, de forma “menos dependente e mais livre para expressar sua dignidade humana”. Para isto é necessário: 1) questionar velhos conceitos, valores e sistemas; 2) ao encontrar as respostas, trabalhar coletivamente para a conscientização que tem como objetivo colocá-las em prática.
A “mentira” não serviu somente para excluir o sujeito negro, mas para inferiorizar todos os valores culturais que eles compartilhavam. A consciência negra tem a missão reescrever a história enfatizando as experiências negras bem-sucedidas, já que a narrativa colonial retrata o negro como derrotado, anulando suas contribuições, e valorizar as tradições e dinâmica cultural não permitindo que os ideais de “civilização” anule suas importâncias. Assim, para Steve Biko, chegaríamos a “uma verdadeira humanidade, onde a política de poder não tenha lugar”.
Como podemos observar, Steve Biko defende que a apropriação da identidade racial, esta usada para diferenciar e desumanizar o sujeito social negro, seja utilizada por este grupo como elemento unificador na luta pela busca de sua humanidade. Seria uma união através daquilo que os generalizou enquanto grupo: a negritude de sua pele.
[1] BIKO, Steve. A consciência negra e a busca de uma verdadeira humanidade. In: Escrevo o que Eu Quero - Seleção dos principais textos de Steve Biko. Editora Ática, 1990.
Fonte: Blog da Preta
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