Docentes procuram uma segunda ocupação mais do que padeiros, corretores de imóveis e PMs, segundo estudo
Para especialistas, média salarial não é única explicação para impulsionar o professor à dupla função
FÁBIO TAKAHASHI
DE SÃO PAULO
ELTON BEZERRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Semanalmente, a professora de ciências Sonia Maria de Barros Cardoso, 52, leciona 32 horas em duas escolas públicas no Rio. Seu salário é de R$ 1.800.
Para complementar, vende cosméticos, o que lhe rende R$ 1.000 mensais em oito horas semanais. "Em datas comemorativas, chega a ficar igual ao que ganho no magistério", afirma a docente.
Como Sonia, outros 266 mil professores da educação básica do país possuem uma segunda ocupação fora do ensino, um "bico", aponta estudo apresentado no mês passado pelos pesquisadores da USP Thiago Alves e José Marcelino de Rezende Pinto.
O número representa 10,5% do magistério nacional, índice bem acima do da população brasileira (3,5% têm uma segunda ocupação). O estudo usa a Pnad-IBGE e o Censo Escolar-MEC, ambos de 2009, e abrange as redes privada e pública.
Alguns dos mais frequentes "bicos" dos docentes são os de vendedores em lojas e os de funcionários em serviços de embelezamento.
Segundo a pesquisa da USP, os professores recorrem mais à segunda ocupação do que os padeiros, os corretores de imóveis e os PMs.
POLÊMICA SALARIAL
Para os autores do estudo, a maior incidência do "bico" entre os professores está relacionada aos baixos salários.
A média salarial dos docentes do ensino fundamental, segundo a pesquisa (entre R$ 1.454 e R$ 1.603 à época), é inferior ao que ganham, em média, corretores de seguro (R$ 1.997) e caixas de bancos (R$ 1.709).
"O professor, com isso, é obrigado a despender energia em ações que não têm a ver com aulas", diz Alves.
Para alguns especialistas, no entanto, a questão não é tão simples.
"Os salários não são uma maravilha, mas, se comparados à média da população, os professores não estão morrendo de fome", afirma Simon Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade.
"Sempre que há concurso para contratação de professores para as redes públicas há uma grande concorrência. Se a profissão fosse tão ruim, não haveria fila", diz Samuel Pessoa, da FGV.
Gestores afirmam que situação dos docentes melhorou
DE SÃO PAULO
Tanto o Ministério da Educação quanto os secretários estaduais admitem que os salários dos professores estão longe do ideal. Afirmam, porém, que têm melhorado.
Na rede pública, os docentes são pagos pelos governos estaduais ou municipais. A União pode complementar.
Pré-candidato à Prefeitura de SP, o ministro petista Fernando Haddad (Educação) tem afirmado que professores recebem apenas 60% do que outros profissionais em carreiras de mesmo nível.
Segundo o MEC, a aprovação da lei do piso nacional do magistério, em 2008, hoje em R$ 1.187, foi "o primeiro passo" para mudar esse cenário. Até hoje, porém, há redes que não cumprem o valor.
Danilo de Melo Souza, vice-presidente do Consed (conselho de secretários estaduais de educação), afirma que três fatores dificultam aumentos ao magistério:
1) número de professores afastados; 2) pagamento de aposentados com recursos de desenvolvimento do ensino; 3) gastos com burocracia.
"O dinheiro que poderia ir para quem está dando aula vai sendo diluído", diz. (FT)
ANÁLISE
Só aumentar salários dos profissionais não é solução
ILONA BECSKEHÁZY
ESPECIAL PARA A FOLHA
Não podemos negar a importância social e a influência política dos professores da educação básica nas sociedades modernas.
No Brasil, entretanto, devido ao baixíssimo valor dado à educação, a classe profissional do magistério tem base no proletariado.
A maior parte dos profissionais vem de famílias com baixo nível educacional, são os piores alunos do ensino médio e recebem formação pífia. A consequência disso é a nossa permanência no clube de lanterninhas do Pisa.
Como estamos no início de enorme transformação populacional, haverá cada vez mais pressão para educar com equidade e excelência.
Como fazer isso com professores que já temos? Como transformá-los em profissionais de alto padrão, com status próximos aos de médicos e de engenheiros?
Simplesmente aumentar seus salários não é a solução. Um pacote de medidas centradas no interesse do aluno e da sociedade, que percebe o professor como profissional sério e que inclui abordagem de remuneração, talvez.
Ao longo das últimas décadas a profissão docente foi se transformando em colcha de retalhos de concessões que permitem, por exemplo, excesso de faltas e de autonomia pedagógica dos próprios professores.
Algumas mudanças estruturais podem contribuir para a valorização do magistério. Em primeiro lugar, as equipes de professores devem ser alocadas por escola e em período docente integral (mesmo que em atividades complementares).
O preparo desses profissionais para a sala de aula deve se tornar uma obsessão, com uso maciço de materiais didáticos de alta qualidade que dê conta de um currículo nacional espelhado no dos países desenvolvidos.
Para completar, os professores devem voltar a ser modelo de comportamento para seus pupilos -um rígido código de ética urge.
Ooops! Muito complicado. Mais fácil convivermos com greves para pedir aumento de salário pura e simplesmente.
ILONA BECSKEHÁZY é diretora de qualidade de educação da Fundação Lemann.
Para especialistas, média salarial não é única explicação para impulsionar o professor à dupla função
FÁBIO TAKAHASHI
DE SÃO PAULO
ELTON BEZERRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Semanalmente, a professora de ciências Sonia Maria de Barros Cardoso, 52, leciona 32 horas em duas escolas públicas no Rio. Seu salário é de R$ 1.800.
Para complementar, vende cosméticos, o que lhe rende R$ 1.000 mensais em oito horas semanais. "Em datas comemorativas, chega a ficar igual ao que ganho no magistério", afirma a docente.
Como Sonia, outros 266 mil professores da educação básica do país possuem uma segunda ocupação fora do ensino, um "bico", aponta estudo apresentado no mês passado pelos pesquisadores da USP Thiago Alves e José Marcelino de Rezende Pinto.
O número representa 10,5% do magistério nacional, índice bem acima do da população brasileira (3,5% têm uma segunda ocupação). O estudo usa a Pnad-IBGE e o Censo Escolar-MEC, ambos de 2009, e abrange as redes privada e pública.
Alguns dos mais frequentes "bicos" dos docentes são os de vendedores em lojas e os de funcionários em serviços de embelezamento.
Segundo a pesquisa da USP, os professores recorrem mais à segunda ocupação do que os padeiros, os corretores de imóveis e os PMs.
POLÊMICA SALARIAL
Para os autores do estudo, a maior incidência do "bico" entre os professores está relacionada aos baixos salários.
A média salarial dos docentes do ensino fundamental, segundo a pesquisa (entre R$ 1.454 e R$ 1.603 à época), é inferior ao que ganham, em média, corretores de seguro (R$ 1.997) e caixas de bancos (R$ 1.709).
"O professor, com isso, é obrigado a despender energia em ações que não têm a ver com aulas", diz Alves.
Para alguns especialistas, no entanto, a questão não é tão simples.
"Os salários não são uma maravilha, mas, se comparados à média da população, os professores não estão morrendo de fome", afirma Simon Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade.
"Sempre que há concurso para contratação de professores para as redes públicas há uma grande concorrência. Se a profissão fosse tão ruim, não haveria fila", diz Samuel Pessoa, da FGV.
Gestores afirmam que situação dos docentes melhorou
DE SÃO PAULO
Tanto o Ministério da Educação quanto os secretários estaduais admitem que os salários dos professores estão longe do ideal. Afirmam, porém, que têm melhorado.
Na rede pública, os docentes são pagos pelos governos estaduais ou municipais. A União pode complementar.
Pré-candidato à Prefeitura de SP, o ministro petista Fernando Haddad (Educação) tem afirmado que professores recebem apenas 60% do que outros profissionais em carreiras de mesmo nível.
Segundo o MEC, a aprovação da lei do piso nacional do magistério, em 2008, hoje em R$ 1.187, foi "o primeiro passo" para mudar esse cenário. Até hoje, porém, há redes que não cumprem o valor.
Danilo de Melo Souza, vice-presidente do Consed (conselho de secretários estaduais de educação), afirma que três fatores dificultam aumentos ao magistério:
1) número de professores afastados; 2) pagamento de aposentados com recursos de desenvolvimento do ensino; 3) gastos com burocracia.
"O dinheiro que poderia ir para quem está dando aula vai sendo diluído", diz. (FT)
ANÁLISE
Só aumentar salários dos profissionais não é solução
ILONA BECSKEHÁZY
ESPECIAL PARA A FOLHA
Não podemos negar a importância social e a influência política dos professores da educação básica nas sociedades modernas.
No Brasil, entretanto, devido ao baixíssimo valor dado à educação, a classe profissional do magistério tem base no proletariado.
A maior parte dos profissionais vem de famílias com baixo nível educacional, são os piores alunos do ensino médio e recebem formação pífia. A consequência disso é a nossa permanência no clube de lanterninhas do Pisa.
Como estamos no início de enorme transformação populacional, haverá cada vez mais pressão para educar com equidade e excelência.
Como fazer isso com professores que já temos? Como transformá-los em profissionais de alto padrão, com status próximos aos de médicos e de engenheiros?
Simplesmente aumentar seus salários não é a solução. Um pacote de medidas centradas no interesse do aluno e da sociedade, que percebe o professor como profissional sério e que inclui abordagem de remuneração, talvez.
Ao longo das últimas décadas a profissão docente foi se transformando em colcha de retalhos de concessões que permitem, por exemplo, excesso de faltas e de autonomia pedagógica dos próprios professores.
Algumas mudanças estruturais podem contribuir para a valorização do magistério. Em primeiro lugar, as equipes de professores devem ser alocadas por escola e em período docente integral (mesmo que em atividades complementares).
O preparo desses profissionais para a sala de aula deve se tornar uma obsessão, com uso maciço de materiais didáticos de alta qualidade que dê conta de um currículo nacional espelhado no dos países desenvolvidos.
Para completar, os professores devem voltar a ser modelo de comportamento para seus pupilos -um rígido código de ética urge.
Ooops! Muito complicado. Mais fácil convivermos com greves para pedir aumento de salário pura e simplesmente.
ILONA BECSKEHÁZY é diretora de qualidade de educação da Fundação Lemann.
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