Revolução Francesa. Ascendência de Napoleão Bonaparte ao poder. Bloqueio continental aos ingleses. Crise política na Europa. Esse era o contexto conturbado do início do século XIX. O que poucos poderiam imaginar é que ele culminaria na fuga da Família Real portuguesa e sua enorme corte para as misteriosas terras do Império Português, localizadas abaixo da linha do Equador. Feita às pressas e à surdina, o episódio dividiu as opiniões da Corte e causou certo desgosto aos portugueses mais nacionalistas, que se sentiram abandonados pelo seu monarca e à mercê das tropas napoleônicas.
A Europa vivia uma situação política bastante complicada. De um lado, estava a Inglaterra, a maior potência marítima, em vias de se tornar pioneira na Revolução Industrial. De outro, deparamo-nos com a França, liderada por seu autoproclamado imperador, Napoleão Bonaparte, e responsável pelo controle de grande parte da efervescência revolucionária com a formação de um poderoso exército. Esse poderio bélico permitiu a Bonaparte decretar o famoso Bloqueio Continental, no qual os países da Europa Continental que travassem relações comerciais e políticas com a Inglaterra declaravam guerra contra a França, automaticamente.
O então príncipe regente de Portugal, D. João, ficara encurralado. Cortar relações com os ingleses significaria deixar suas colônias sem a proteção naval que a Inglaterra oferecia e, ainda, ter suas posses ameaçadas por ela. Por outro lado, não cortar relações com o país significaria declarar guerra ao poderoso exército francês. Em uma situação como esta, o que fazer?
Vamos embora para o Brasil!
D. João engoliu o orgulho e se retirou do campo de batalha antes que esta começasse. Em 29 de novembro de 1807, acompanhado por mais de 10 mil pessoas (integrantes de sua Corte), o príncipe regente partiu para terras ultramarinas, aportando em 24 de janeiro de 1808, em Salvador. Secretamente, D. João realizara acordos com os ingleses, prometendo-lhes favorecimento comercial em troca de proteção na vinda ao Brasil. A fuga já havia sido orquestrada alguns meses antes e as tropas francesas já cercavam a Espanha quando o plano fora colocado em prática.
Do ponto de vista brasileiro, a vinda da Família Real fora importantíssima para o processo de independência. Quando chega a Salvador, uma das primeiras decisões tomadas por D. João é a Abertura dos Portos. Em seu decreto, o príncipe regente coloca fim no monopólio português sobre as relações comerciais do Brasil. A partir daí, nossos portos ficaram abertos às “nações amigas”, ou nas entrelinhas, à Inglaterra, que abastecia o território brasileiro com produtos europeus e garantia a sobrevivência de sua produção, tendo em vista que os outros países do Velho Continente estavam sendo sucessivamente ocupados pelas tropas napoleônicas.
Mesmo com o favorecimento da Inglaterra, para muitos historiadores, como Maria Odila da Silva Dias, a abertura dos portos é o evento inicial do processo de independência de nosso país, pois marca a quebra do Pacto Colonial e permite certa autonomia do território em detrimento do controle metropolitano. Com a vinda da corte, há uma inversão de papéis entre metrópole e colônia, já que o centro irradiador do governo passa para o território que antes fora tratado como periferia.
Por outro lado, a quebra do monopólio proporcionou o desenvolvimento de ramos de atividades que, até então, eram proibidos. Além disso, novas leis que estimulavam o comércio começaram a surgir como o alvará de 1º de abril de 1808, que autorizava a abertura de fábricas e manufaturas em todas as partes do Império, revogando o de 5 de janeiro de 1785, que proibia a instalação fabril na colônia. Em 1815, o Brasil passa à categoria de Reino Unido, ligado a Portugal e Algarves.
Sob muitos aspectos, a abertura dos portos se configura como o pontapé inicial para a independência do país, já que desencadeia a seqüência de fatos que levarão à total autonomia do Brasil frente a Portugal. As mudanças ocasionadas com a vinda da corte não tiveram volta. Por exemplo, quando a Família Real se vê obrigada a retornar para a Europa por conta da Revolução Liberal do Porto, a Coroa se esforçará para que o Brasil volte à sua antiga condição colonial, mas isso já não será possível, pois as elites brasileiras haviam tomado gosto pelas liberdades recém-adquiridas e simplesmente não desistiriam delas.
Foi a partir de todo esse contexto de decisões e novas leis que, quatorze anos após a abertura dos portos, o território brasileiro tornava-se independente de Portugal. Mas isso é assunto para outro post.
Fontes utilizadas: Arquivo Nacional
GOMES, Laurentino. “1808 - Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil”. São Paulo: Editora Planeta do Brasil; 1997.
DIAS, Maria Odila da Silva. A Interiorização da Metrópole e Outros Estudos. São Paulo: Alameda Casa Editorial; 2005.
Escrito por Ísis Ridão, assessora especialista de História da Editora Moderna.
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