Após 110 anos da libertação, os negros brasileiros continuam lutando pela liberdade e cidadania. Depois da África, o Brasil é o país que concentra a maior população negra do mundo e também onde os negros permanecem ocupando a mais baixa localização na pirâmide social
O termo exclusão é o que mais fielmente traduz a condição em que se encontra o povo negro no Brasil e no mundo. Nos últimos anos, experimentou-se, em escala mundial, uma brutal concentração de renda e de poder. As elites põem em prática projetos conservadores, que recolocam o racismo na ordem do dia - quer seja através da rearticulação e do avanço da direita nos países europeus, quer através do desmonte de políticas sociais antes destinadas aos segmentos marginalizados da população.
Na África morreram, no ano passado, cerca de meio milhão de pessoas por doenças pulmonares, além das mortes provocadas pela fome, guerra e epidemias. No Brasil, é a parcela negra da população a mais duramente atingida pelo desmonte das políticas sociais e de saúde, pelos sistemas de controle populacional, pelo desemprego crônico, pela fome e a violência do latifúndio, do aparato policial e dos grupos de extermínio. É negra a maioria de crianças que vivem nas ruas e de jovens assassinados nos centros urbanos.
Dados assustadores
Dados referentes nos Indicadores Sociais Mínimos do IBGE de 1996 mostraram que a taxa de mortalidade entre crianças negras e pardas no Brasil é dois terços superior à da população branca da mesma idade. Em outras palavras, até os 5 anos, elas têm 67% mais chances de morrer do que uma criança branca. O índice de mortalidade de crianças brasileiras pardas e negras de até 5 anos de idade é de 76 para cada mil nascida vivas. Entre as brancas, a taxa cai para 46 mortes em cada mil.
Também entre os adultos, os homens e mulheres negros estão em condições de maior desigualdade em nosso país. Dados do último censo realizado pelo IBGE em 1990, revelam que entre os brasileiros que contavam com carteira assinada, 58% eram brancos e 41% negros (34% considerados pardos mais 7% considerados negros). De cada 100 empregados, 51% sobreviviam com salário mínimo. Do total de trabalhadores que ganhavam um salário mínimo, 79% eram negros. A inserção no mercado de trabalho é precoce: as crianças brancas de 10 a 14 anos somam 14,9% e as negras 20,5%.
Na área educacional, em 1997, segundo o IBGE, 18% da população brasileira é analfabeta, sendo que entre os negros este percentual sobe para 35,5%, enquanto na população branca é de 15%. No outro extremo, 4,2% dos brancos e apenas 1,4% dos negros haviam alcançado o ensino superior. Em todos os níveis educacionais, a participação do segmento branco é nitidamente superior à do segmento negro. Essa desigualdade reflete-se no acesso ao emprego, aos serviços, aos direitos mínimos de cidadania e na participação no poder, além do aspecto ideológico, marcado pelos preconceitos e estereótipos.
Para exemplificar melhor esse fato, segundo os dados do IBGE de 1997, a média salarial da população branca no país foi de 600 reais por mês, já a média da população negra foi de 300 reais.
O conhecimento sobre as desigualdades raciais, que nos leva à constatação de que um trabalhador negro com formação universitária recebe o equivalente à metade do salário de um trabalhador branco com igual qualificação, comprova a teoria de que a discussão sobre a problemática racial não pode estar dissociada da luta pela igualdade de classes, principalmente porque muitos dos trabalhadores são negros.
Negros e violência
O professor Sérgio Adorno, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, há vinte anos vem pesquisando processos na justiça de São Paulo. Entre 1984 a 1988, num fórum de um bairro popular de São Paulo, a Penha, constatou que os negros que representavam 24% da população, participavam com 48% das condenações. Os nordestinos, que são em torno de 18% da população, respondiam por 27% das condenações. Cerca de 5% da população são aqueles cidadãos sem profissão, os chamados biscateiros, que a "justiça" chama de pessoas com "ocupação mal definida". De cada 100 condenados, 35 estavam nessa situação. Outro dado está na população carcerária do Brasil. O último levantamento do Ministério da Justiça indica que cerca de 65% da massa carcerária é de negros e 95% são pobres.
O professor Adorno analisou 500 processos criminais da Cidade de São Paulo, em 1990, e constatou que a maior parte dos réus, 38%, foi condenada por roubo qualificado, em que se usam meios violentos. Os negros são presos em fragrante com mais freqüência que os brancos, na proporção de 58% contra 46%. Isso sugere que recebem uma maior vigilância por parte da polícia. Constatou ainda que 27% dos brancos respondem ao processo em liberdade, enquanto só 15% dos negros conseguem esse benefício. Apenas 25% dos negros levam testemunha de defesa ao tribunal, que é uma prova muito importante, enquanto 42% dos brancos apresentam esse tipo de prova.
É fácil concluir dessa pesquisa do professor da USP que a questão racial tem mais peso do que a financeira. Os negros podem usar exatamente os mesmos direitos de um branco e ainda assim o resultado não será igual. 27% dos negros que contratam, segundo a pesquisa, são absolvidos; no caso dos brancos, a taxa de absolvição chega a 60%.
As condições em que os negros exercem sua cidadania precisam ser reconhecidas por todos como anômalas. Cálculos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 1989, indicam que 44,2% da população brasileira, ou mais de 65 milhões de pessoas, são "pretos" ou "pardos" . No entanto, nas esferas de influência e de poder, a presença negra é restrita, para não dizer nula.
Apesar de o Brasil ter 65 milhões de negros há muitas injustiças contra eles como estamos vendo. Os negros são a maioria dos analfabetos, dos menores salários, nas prisões, nas favelas e nos subempregos e são minoria nas faculdades, entre os empresários, os heróis reconhecidos, os governantes, os bispos, generais, almirantes, brigadeiros e na mídia. Para corroborar essa afirmação, podemos citar Salvador, onde cerca de 60% da população é negra, mas quase não há negros na administração municipal.
A luta anti-racista
A luta anti-racista experimentou um crescimento sem precedente, tanto em função do fortalecimento das organizações autônomas, quanto pela multiplicação de entidades em todo o país, ou pelas novas formas de articulação e de expressão da militância em vários espaços, como por exemplo: locais de trabalho, organizações rurais, sindicatos, movimentos populares, partidos políticos, universidades, parlamento, mulheres negras, órgãos governamentais, entidades religiosas. Nestes âmbitos, devemos ressaltar principalmente as lutas das pastorais do negro da Igreja católica, que começaram com dom Paulo Evaristo Arns, dom Hélder Câmara e dom José Maria Pires, os pioneiros mais sistematizado contra a discriminação dos negros no Brasil, e que depois tomaram corpo em quase todas as dioceses.
Por Edison Barbieri
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