Doze
dias de greve dos policiais na Bahia foram capazes de revolver diversos
segmentos da sociedade baiana, não apenas na negociação diária em busca
de saídas para o impasse entre grevistas e o governo do estado, mas,
sobretudo no debate irado que se travou nos meios de comunicação em
torno do argumento do desamparo ao qual a população estava submetida e
dos prejuízos gerados à economia pela redução da circulação de pessoas
no comércio.
Os
telejornais locais e os nacionais deram ampla cobertura ao fato e o
barulho social gerado pela paralisação tinha força de um urro, ora
acusando o governador de omisso e irresponsável por não negociar com os
policiais, ora acusando os policiais de bandidos, irresponsáveis e até
de contribuírem diretamente para o aumento do número de homicídios. Em
outras palavras, parte da imprensa disse com muito prazer que uma certa
polícia miliciana andou executando gente durante a greve a torto e a
direito.
METRÔ –
Há pouco mais de uma semana a maior cidade do País, São Paulo, acordou
com os metroviários de braços cruzados e mesmo quem vive no Amapá foi
bombardeado o dia inteiro por imagens televisivas de todas as emissoras
mostrando do alto a cidade caótica, cena, aliás, que nem precisa de
paralisação de metrô para ser capturada por câmeras de TV, em se
tratando de São Paulo. A greve não durou um dia. O poder político e o
poder econômico, diante do prejuízo que se desenhou, arranjaram uma
solução urgente e 24 horas depois tudo estava resolvido, com conquistas
para os metroviários.
Em
Salvador, que nunca pôde contar com o luxo de ter um metrô, no mesmo
dia quem cruzou os braços foram os motoristas e cobradores de ônibus,
deixando cerca de um milhão de pessoas sem transporte e reduzindo
radicalmente a circulação de dinheiro no comércio. Como quem anda de
ônibus em Salvador está em muita desvantagem social e econômica em
relação a quem anda de metrô em São Paulo, a coisa demorou um pouquinho
mais que lá para se resolver, mas a greve não se estendeu nem até o fim
de semana.
RENITENTE -
Enquanto isso, na Bahia, numa outra dimensão da vida, para um grupo de
pessoas que de certo modo carregam nas costas a única idéia de futuro
que este país pode ter, os professores, uma greve se arrasta caminhando
para dois meses, 60 dias, e a impressão que se tem na capital, em
Salvador, é que nada está acontecendo, que nada está fora do lugar ou da
ordem. Milhares de alunos sem aula há praticamente 60 dias, um discurso
renitente do governo que contesta até as decisões judiciais sobre o
pagamento dos salários dos professores e com exceções de uma reportagem
de TV aqui e ali ou de um comentário de apresentador, quem parece
socialmente incomodado com a greve e suas consequências.
Quando
a polícia para e todo mundo fica com medo de sair às ruas e deixa de
fazer compras, a economia do país e o medo da violência crescer ainda
mais fazem a população comum sair do silêncio, mesmo que seja para dizer
absurdos. Quando o transporte público para e os empregados não podem ir
trabalhar e o comércio e a indústria veem essas ausências transformadas
em perda concreta de dinheiro, dá-se um jeito de forçar o poder público
a se virar nos 30, negociar o que quer que seja para a ordem das coisas
se restabelecer. E a cidade vazia, os shopping centers vazios e a
paisagem das ruas sem polícia ou sem ônibus geram excelentes imagens de
TV.
OFENDIDOS -
Já milhares de meninos e meninas pobres, sem aula, cada um em sua casa,
sem poder nenhum, que imagem haverão de gerar para o telespectador? A
lógica parece simples e não é da televisão, mas, antes, da sociedade.
Quando os policiais ou os metroviários e rodoviários cruzam os braços, a
sociedade compreende imediatamente que o seu presente, o imediato, o
aqui e o agora estão comprometidos. E como pode o direito de ir e vir do
cidadão ser assim cerceado, pensa a maioria e aponta a metralhadora de
pressão para os governantes descansados, obrigando-os a reagir.
Já
os professores da rede pública, se cruzam os braços, quem se importa?
Isso não diz respeito ao presente de ninguém, somente ao futuro, e mesmo
assim já incerto, de um universo de jovens pobres para quem a greve,
cada vez mais silenciosa socialmente, é apenas mais um elemento de
consolidação da falta de acesso à cultura, à informação e à formação que
os habilitariam a entrar na universidade sem serem ofendidos porque
precisam de cotas. A greve dos professores quase não passa na TV porque
diz respeito ao futuro alheio.
Malu Fontes é
jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da
Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 03 de junho de 2012, no
jornal A Tarde, Caderno 2, p. 05, Salvador/BA; maluzes@gmail.com
A Tarde/BA
03/06/2012
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