Fazem, 122 anos da Abolição Oficial da Escravatura no Brasil. Em 1888, uma lei monárquica-constitucional terminou de uma penada com quatro séculos de cativeiro. O assunto está fora de moda, passou o tempo e a memória vem sendo apagada. Por isto, é importante relembrar. Afinal, mais importante do que a Lei foi o fim legal da ignomiosa instituição que vinha vivendo sua crise particular nas últimas décadas do XIX. A força da medida real teria alcançado, aproximadamente, meio milhão de pessoas, o que significaria algo em torno de 10% da população do Brasil da época.
O 13 de maio deu fim à polêmica política entre abolicionistas e emancipacionistas. Os primeiros venceram porque terminou no Brasil a mais radical forma conhecida de exploração do homem pelo homem. Os segundos, no final do processo, já não se opunham ao fim da escravidão. Entretanto, desejavam que a velha instituição desaparecesse gradualmente e sob o controle senhorial. Queriam, em um mundo exterior já sem escravos, esticá-la ao máximo possível, libertando através da alforria sob condição os escolhidos para tal, por eles. Quando não houve mais jeito, tentaram, sem sucesso e de toda a maneira, serem indenizados pelo governo, por ter perdido os seus escravos.
Obviamente, o ódio da Lei se estendia ao fato de que a alforria sob condição ter sido liquidada. Isto permitiu que os alforriados deixassem os seus compromissos de trabalho servil ou semi-servil, assumidos com seus ex-senhores. O fim oficial da escravidão obrigou aos fazendeiros a terem a necessidade de tratar o trabalho como um dos itens de investimento produtivo. Isto já vinha ocorrendo nas regiões brasileiras, notadamente paulistas, que usavam a mão-de-obra imigrante a preços módicos.
Os escravos da época da Abolição eram os mais caros da história da escravidão e resistiam mais do que no passado – desamor ao trabalho – à exploração. Haviam aumentado os atos de rebeldia, as fugas e os quilombos. Nas duas últimas décadas que precedem a Lei Áurea, o movimento abolicionista havia crescido e desafiava o poder dos senhores. Este grupo insurgente e quase espontâneo era composto por pessoas, em sua maioria letradas e das classes médias, que não mais suportavam conviver com a escravidão.
Os críticos atuais da Lei apontam que ela não permitiu a real elevação dos escravos a situação de homens livres. Lembram que a terra não foi dividida e que a instrução pública não foi estendida aos mesmos. Eles já não eram mais mercadorias vendidas, herdadas etc. Todavia, permaneceram na situação de pertencer aos estratos mais pobres da sociedade brasileira. Estes, nas primeiras décadas do século XX, concorreram, em clara desvantagem, com os imigrantes europeus para se tornarem trabalhadores assalariados.
Os mais exigentes afirmam que se trocou seis por meia dúzia e que eles permaneceram de certo modo como escravos. Recordam, com carradas de razão, que os descendentes de escravos continuam sendo os brasileiros mais pobres entre os pobres. Cobram compensações, das quais a mais conhecida é a política de cotas no ensino público superior. Estas são fortemente criticadas pelas direitas e, curiosamente, também atacadas por setores das esquerdas brasileiras.
Do ponto de vista econômico-político a escravidão acabou, isto é, o regime escravista de trabalho desapareceu na curva da história. Ninguém mais é vendido ou herdado como uma coisa. O açoite e as mil e uma formas de tortura a que os escravos eram submetidos não são mais visíveis nas ruas. O que hoje se chama de trabalho escravo é algo praticado na ilegalidade, punível na forma da lei. Todavia, são inúmeros os casos onde se constatou esta prática, em vários deles, viu-se a presença de políticos influentes na posição senhorial. Comumente, o crime foi cometido em áreas de grande ou médio desenvolvimento econômico.
A tortura, antiga ‘educação’ dada ao escravo, permaneceu, apesar de ilegal nos últimos tempos, sendo fartamente praticada pela repressão policial. Desapareceu o seu uso político da época da ditadura, todavia, seu uso social está aí, para quem quiser ver. As prisões brasileiras estão cheias de negros e de quase negros. Isto indica que a justiça – tal como no passado – tem cor, classe e preconceito. O desemprego atinge mais fortemente os que têm ancestrais escravos, de modo mais perceptivo, dentro das regras do racismo praticado no Brasil, sempre negado e dissimulado.
A economia monetarizou-se. O trabalho assalariado e o desemprego clássico do capitalismo estão instalados. Não se pode mais viver sem dinheiro, porque quase tudo precisa ser comprado. Vive-se em um mundo completamente diferente do da época dos escravos. Houve progressos imensos, sobretudo da Era Vargas para cá. Hoje, o salário mínimo ainda é baixo, contudo, maior do que em passado recente. O número de pessoas que o ganha cresceu substancialmente. A maioria dos brasileiros continua pobre, mora mal e tem dificuldades nos mais diferentes domínios da vida. Eles lembram, em alguns aspectos, os velhos escravos e os ‘homens livres’ do século XIX. Em outros, são completamente diferentes, sem deixar de estarem marcados pelo passado escravista do país. Com todos os seus defeitos: Viva a Lei Áurea! Quiçá, na esperança de uma nova e futura Abolição.
Luís Carlos Lopes é professor e escritor.
www.cartamaior.com.br
Oi minha Sobrinha querida.
ResponderExcluirÉ verdade a história da abolição sempre foi contada de vários ângulos e nós negros é que fomos o pior protagonista dela. Graças a pessoas como voce não vamos deixar esta data e nem esta história passar com páginas coladas. Parabéns e um beijo grande.
Lucianne Conceição
Oi tia,
ResponderExcluirExatamente temos a obrigação de desconstruir tudo de errado que foi passado pra nós. Lembrando que cada negro tem um Zumbi dos Palmares dentro de sí; então nossas lutas tem que ser diárias, não podemos parar nunca.
Um abraço carinhoso.
Di