Era 1960 e a África do Sul vivia um dos momentos mais intensos do Apartheid, o regime de segregação racial comandado pelo governo, quando um adolescente foi expulso da escola Lovedale, em King William’s Town, por “comportamento subversivo”. Este jovem foi transferido para outra instituição na região litorânea de Natal, terminou o ensino médio e ingressou na Escola de Medicina da Universidade de Natal, onde daria início a uma vida de luta em nome da liberdade de seu povo. Seu nome era Stephen Bantu Biko, conhecido como Steve Biko.
Reconhecido contestador do Regime do Apartheid, Biko que até então era membro da União Nacional dos Estudantes Sul-africanos, decidiu fundar, em 1968, a Organização dos Estudantes Sul-africanos (South African Students’ Organisation), que além de representar os direitos dos estudantes, providenciava auxílio médico e legal a comunidades negras desfavorecidas e ajudava no desenvolvimento de trabalho em sistema doméstico (o empregador dá ferramentas e matéria-prima, e a produção pode ser feita em casa).
Em 1972 Biko tornou-se co-fundador da Black People’s Convention (BPC – “Convenção dos Negros”, em tradução livre), entidade que trabalhava em projetos de desenvolvimento social nos arredores de Durban e reuniu 70 diferentes grupos de consciência negra. Ao ser eleito o primeiro presidente da organização, foi expulso da universidade e passou a dedicar em tempo integral à sua luta.
Banido – Em março de 1973, no ápice do regime de segregação racial, Steve foi “banido”, o que o que na prática significava que Biko não poderia sair de sua cidade natal, estava proibido de comunicar-se com mais de uma pessoa por vez e, portanto, de realizar discursos. Também foi proibida a citação a qualquer de suas declarações anteriores, tivessem sido feitas em discursos ou mesmo em simples conversas pessoais.
Apesar de não mais poder se dedicar a algumas atividades em Durban, Biko continuou a trabalhar na BPC estimulando a população negra a lutar por seus direitos, cada vez menos respeitados pelas autoridades segregacionistas. O governo reagiu e chegou a prender Biko por quatro vezes entre 1975 e 1977.
Em 6 de setembro de 1977, Steve foi preso em um bloqueio rodoviário organizado pela polícia sul-africana. Levado sob custódia, foi acorrentado às grades de uma janela da penitenciária durante um dia inteiro e sofreu grave traumatismo craniano. Em 11 de setembro, o rapaz já estava em um estado contínuo de semi-consciência quando o médico da prisão aconselhou que Biko fosse levado a um hospital.
Jogado sem qualquer proteção em um Land Rover, Biko foi levado numa viagem de 1,2 mil quilômetros rumo à cidade de Pretória. No dia seguinte (12 de setembro), Steve chegou ao Presídio Central da cidade, jogado no chão de uma cela fria, despido e quase inconsciente.
Morte – Ao notar que o prisioneiro não se mexia, os carcereiros chamaram um médico, não prestando qualquer socorro a ele até que o profissional chegasse. O médico, ao examinar Biko, só pôde levantar os olhos para os guardas e dizer: “O homem está morto.” Causa da morte: danos cerebrais.
A comunidade negra sul-africana entrou em polvorosa. A versão oficial da morte de Biko, proferida pelo então ministro da Justiça, James Kruger, sugeria que o prisioneiro havia morrido após longa greve de fome. Mas a grande pressão da imprensa internacional fez cair por terra a alegação de suicídio. Foi reconhecido pelo governo, publicamente, que Steve morreu de danos cerebrais sofridos durante uma briga na prisão, mas ninguém foi responsabilizado. O funeral do ativista atraiu às ruas centenas de milhares de sul-africanos, num protesto que entrou para a história mundial.
A morte de Biko provocou manifestações em várias localidades pelo mundo e ele logo foi alçado à mártir, inspirando outros a lutar pela igualdade dos direitos entre negros e brancos. Como retaliação, o governo da África do Sul baniu organizações (principalmente as em que Biko trabalhou) e pessoas que se manifestaram contra o Apartheid.
Em 7 de outubro de 2003, autoridades do Ministério Público Sul-africano anunciaram que os cinco policiais envolvidos no assassinato de Biko não seriam processados, devido a falta de provas. Alegaram também que a acusação de assassinato não se sustentaria por não haver testemunhas dos atos supostamente cometidos contra Biko. Levou-se em consideração a possibilidade de acusar os envolvidos por Lesão Corporal seguida de morte, mas como os fatos ocorreram em 1977, tal crime teria prescrito (não seria mais passível de processo criminal) segundo as leis do país.
Referências nas artes – Após sua morte, Steve Biko foi homenageado por diversas vertentes artísticas, como nas canções “Biko’s kindred lament” (1979) do Steel Pulse e “Biko” (1980), de Peter Gabriel. Em 1987 Richard Attenborough dirigiu o filme Cry Freedom (Um grito de liberdade), um drama biográfico sobre Biko. A música de Peter Gabriel foi incluída na trilha sonora. Na série de ficção científica da televisão americana Star Trek: The Next Generation há uma espaçonave chamada USS Biko.
Fonte: Arca Universal
Nenhuma luta por direitos é fácil, quase sempre se planta as sementes para as gerações posteriores colherem os frutos e semearem em outras terras.
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