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sábado, 24 de julho de 2010

A CONEN E O ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL


A CONEN E O ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL: HISTÓRICO DE REFERENCIAS E PARTICIPAÇÃO NO DEBATE E PERCURSO DE TRAMITAÇÃO


A CONEN considera como fundamental para a redução das iniqüidades raciais no Brasil, a participação organizada da sociedade civil e do país nas Conferências Mundiais de Combate ao Racismo, a Discriminação Racial e a Intolerância, como as ocorridas no inicio desta década, bem como, a ratificação deste às Convenções e Tratados Internacionais garantidores dos direitos de cidadania para a população negra e demais grupos discriminados.Para a CONEN, a representação nos fóruns internacionais, gera obrigações, que devem ser incorporadas pelo Estado Brasileiro com vistas a promover adequações no ordenamento jurídico interno visando alterar positivamente a realidade social cotidiana da população negra. A CONEN entende que os dispositivos legais não devem ser tratados como a possibilidade de superação das desigualdades sócio-raciais no país, mas como instrumentos efetivos de afirmação de direitos sociais, políticos e econômicos da população negra na sociedade brasileira. Essas foram as referências políticas que orientaram a CONEN no acompanhamento da tramitação do Estatuto da Igualdade Racial no Congresso Nacional, desde o projeto inicial apresentado pelo então Deputado Federal Paulo Paim e no nosso posicionamento pela sua aprovação nos últimos anos.
A JORNADA NACIONAL PELA APROVAÇÃO DO ESTATUTO RACIAL
É importante destacar o protagonismo recente da CONEN no debate pela aprovação do Estatuto da Igualdade Racial quando, em 2008, apresentamos a proposta de realização de uma Jornada Nacional pela sua aprovação, com o objetivo de mobilizar o Congresso Nacional, o Governo Federal e o Movimento Negro para a votação e aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, que estava em tramitação na Câmara dos Deputados. A aprovação estava condicionada à manutenção dos direitos e conquistas do Movimento Negro e da população negra no Brasil.Primeira etapaA jornada é iniciada com a apresentação da proposta por nossa representação ao Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR), vinculado a SEPPIR – Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e aprovada em reunião deste Conselho realizada nos dias 07 e 08 de Outubro de 2008. Sua aprovação visou garantir o protagonismo da organizações do movimento negro, integrantes do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, na mobilização do Congresso Nacional e do Governo Federal para a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial.Segunda etapaA CONEN apresenta para a Assembléia do Congresso Nacional de Negras e Negros do Brasil (CONNEB) e as organizações do Movimento brasileiro presentes ao Fórum Social Mundial realizado no período de 27 de Janeiro a 01 de Fevereiro de 2009, na cidade de Belém, no Estado do Pará, a proposta de mobilização em curso de realização da Jornada Nacional pela Aprovação do Estatuto da Igualdade Racial.Terceira etapaNo dia 29 de Abril de 2009, a CONEN retoma a iniciativa de pressionar e dialogar com os poderes Executivo e Legislativo, com a participação de outras organizações do Movimento Negro, como o Congresso Nacional Afro-Brasileiro (CNAB) e a Educafro, realizando audiências com os presidentes do Senado, José Sarney (PDMB-AP) e da Câmara Michel Temer (PMDB-SP). As audiências tiveram como objetivo agilizar a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, tendo como referência o Projeto de Lei (substitutivo) que estava em debate na Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Quarta etapaNa II Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, realizada nos dias 25 a 28 de Junho de 2009, em Brasília-DF, a CONEN reafirma sua posição pela aprovação do Estatuto, a partir dos moldes em que foi originalmente concebido tanto na Câmara como no Senado Federal. Apresenta na plenária final da II CONAPIR, as diretrizes fundamentais para o apoio a aprovação do Estatuto naquele momento, com base no Projeto de Lei (Substitutivo) elaborado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, principalmente em relação aos seguintes direitos: Titularidade e Regularização Fundiária dos territórios das Comunidades Quilombolas e das Comunidades Negras Rurais; liberdade das religiões de matriz africana; de acesso ao ensino superior nas instituições públicas federais, por meio das políticas de ações afirmativas através das cotas raciais e sociais.Quinta etapaNo dia 26 de Agosto de 2009, no Gabinete da Presidência, no Centro Cultural do Banco do Brasil, em Brasília – DF, a CONEN realiza uma audiência histórica com o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. No diálogo com o Presidente Lula, a CONEN reafirma os temas atuais e estratégicos para a agenda política nacional de combate ao racismo e para a consolidação de uma política de Estado para a promoção da igualdade racial. Entre esses temas é debatida a importância da aprovação do Estatuto da Igualdade Racial.
A CASA GRANDE CONTRA - ATACA
O Projeto de Lei (substitutivo) da Comissão Especial é aprovado na Câmara dos Deputados no mês de setembro de 2009 e é enviado ao Senado Federal, para uma nova fase de votação em que só são admitidas emendas supressivas.Como relator do projeto que retorna ao Senado é indicado, na Comissão de Constituição de Justiça, o Senador Demóstenes Torres, do Partido dos Democratas, DEM-Goiás.Em dezembro de 2009, é tornado público um parecer do Senador Demóstenes Torres. As novas exigências e propostas de vetos apresentadas pelo parecer do Senador desfiguram ainda mais o já mutilado projeto de lei votado na Câmara dos Deputados em setembro de 2009.A posição do Senador não surpreende as lideranças e as entidades articuladas em torno da CONEN. O Senador e seu partido, pelas suas posições, são um dos maiores adversários do Movimento Negro e da população negra brasileira. São legítimos representantes da elite brasileira que continuam a pensar o Brasil como Casa Grande & Senzala. Essa elite racista e conservadora continua viva, disputando seus interesses, seus privilégios e postos de mando e dominação no Estado brasileiro e estão atentos aos nossos avanços e conquistas, ainda que muito tímidos.
O POSICIONAMENTO DA CONEN SOBRE A VOTAÇÃO DO ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL NO DIA 16 DE JUNHO DE 2009.
No final de janeiro de 2010, a CONEN em reunião realizada com o ex-ministro Edson Santos, da SEPPIR, na cidade de São Paulo, com a finalidade de dialogar sobre o cenário de nossa luta para o ano que começava, explicita sua posição: não concorda, não admite e não apóia qualquer negociação para votação do Estatuto da Igualdade Racial, a partir do parecer elaborado pelo Senador Demóstenes Torres. A SEPPIR, na primeira quinzena de junho de 2010, tendo na sua direção o atual Ministro Elói Ferreira, começa a debater a possibilidade de votar o Estatuto através de uma negociação com o Senador Demóstenes Torres. Procura atrair para essa posição parlamentares, lideranças e entidades do movimento negro. A CONEN, em coerência com seus princípios e compromissos com a luta de combate ao racismo, de quase 20 anos, no Brasil e em âmbito internacional, é contrária a negociação proposta.No dia 15 de Junho de 2010 é divulgada uma nota da CONEN (em anexo) publicizando esse posicionamento e propondo que a votação do Estatuto não seja realizada no dia seguinte, 16 de junho, conforme o acordo que estava sendo finalizado.Propusemos que a votação fosse realizada em um novo momento, após as eleições de 2010 para a Presidência da República, Senadores, Deputados Federais e Deputados Estaduais.
A CONEN E O ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL VOTADO NO DIA 16 DE JUNHO DE 2010.
A CONEN reafirma a posição de que o acordo realizado e a votação apressada do Estatuto foi um equívoco. Apresentamos a seguir alguns elementos para essa conclusão.
I – O Estatuto aprovado, em Título 1, nas Disposições Preliminares, Art. 1º - Parágrafo Único: expressa conceituações genéricas sobre discriminação racial ou étnico-racial, desigualdade racial, desigualdade de gênero e raça e elimina e ignora construções teórico- políticas e conteúdos sobre esses conceitos que foram construídos pelo Movimento Negro brasileiro nos últimos 30 anos.O Movimento Negro brasileiro reinterpreta e ressignifica politicamente o conceito de raça para desconstituir o mito da democracia racial. Reafirma a categoria raça e o racismo como uma construção histórica, social e política da sociedade brasileira, onde negros e negras são despojados de sua identidade étnico-racial e dos direitos de cidadania e da sua condição de classe social. Para o Movimento Negro, a categoria raça e o racismo são estruturantes e determinantes do lugar social, cultural, político e econômico ocupado pela população negra. O Movimento Negro brasileiro compreende, contribui e influencia as construções teórico-políticas e os conteúdos importantes para a luta política contra o racismo no Brasil como: Que a ideologia do embranquecimento “é a negação do ser negro na perspectiva de aproximação de um modelo biológico e social branco. (Souza, 1983);Que o mito da democracia racial “refere-se à crença de que a mistura racial gerou um povo que está acima de tudo, acima das suspeitas raciais e étnicas, um povo sem barreiras e sem preconceitos. Trata-se realmente de um mito, pois a miscigenação não produziu a declarada democracia racial, como demonstrado pelas inúmeras desigualdades raciais e sociais. (Munanga, 1996);Que Preconceito significa: atitude desfavorável para com um grupo ou indivíduos que nele se inserem, baseada não em atributos reais, mas em idéias preconcebidas. Que Discriminação racial: é uma ação, atitude ou manifestação contra uma pessoa ou grupo de pessoas em razão de sua cor. Que Racismo: é o conjunto de teorias, crenças e práticas que estabelecem uma hierarquia entre as raças (Orientações e ações para a educação das relações étnico-racial. Brasília. Secad, 2006, p. 215-17); O racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata ocorrem com base na raça, cor, descendência, origem nacional ou étnica e que as vítimas podem sofrer múltiplas ou agravadas formas de discriminações calcadas em outros aspectos correlatos como sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer outro tipo, origem social, propriedade, nascimento e outros. (Conferência de Durban).Ao não incorporar essas importantes construções político-teóricas, algumas delas presentes no projeto original, mas que depois de 10 anos de tramitação no Congresso Nacional, foram suprimidas e, na sua fase final capitular, frente as posições conservadoras do relatório do Senador Demóstenes Torres, a redação final do Projeto de Lei do Senado no. 213, de 2003 (no. 6.264 de 2005, na Câmara dos Deputados) apresenta um texto confuso, com contradições entre seus artigos, genéricas e sem conteúdo.
II - Não temos a garantia da existência de vontade política e correlação de forças suficientes no Congresso Nacional para que os diversos artigos seguintes que precisam ser regulamentados por lei ou decreto que garantam direitos à população negra sejam votados. Os longos anos de tramitação do Projeto do Estatuto na Câmara e no Senado comprovam essa afirmação.III - Artigos importantes que não estão presentes na redação final do Estatuto votado como a implementação de planos, metas e de políticas que já estão garantidas na “Política Nacional de Saúde Integral da População Negra”, construída com muito empenho do Movimento Negro, gestores, trabalhadores, centrais sindicais e intelectuais envolvidos com as temáticas. IV – A supressão das cotas raciais e sociais em universidades públicas e escolas técnicas federais que buscam gerar condições mais equânimes de acesso da juventude negra ao conhecimento e às instituições superiores de ensino. Consideramos significativas as opiniões de companheiros de toda a hora em nossa luta, como o Senador Paim, Abdias do Nascimento e Kabengele Munanga e de lideranças de organizações parceiras como a Unegro, o CNAB e os Agentes de Pastoral Negros que valorizam a aprovação do Estatuto.Entretanto, transformar a política pública de promoção da igualdade racial em Política de Estado é um dos principais objetivos da CONEN e para que isso se concretize o Estatuto aprovado não contribui.NÃO AO RETROCESSOO momento político do processo de votação do Estatuto tem relação com a reação conservadora dos que propuseram a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra as cotas raciais e contra a garantia dos territórios das comunidades quilombolas. É o mesmo da radicalização dos ruralistas e do agronegócio contra as políticas desenvolvidas em relação ao campo e em direção a Reforma Agrária; das mudanças propostas por esses mesmos setores no Código Florestal. Dos ataques ao Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3) lançado em dezembro de 2009. Das dificuldades para aprovação da PEC 231/95, em debate no Congresso Nacional, para redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, sem redução de salários. Das tentativas de tornar inócua a Lei Maria da Penha. Das investidas para a criminalização dos movimentos sociais. Tem relação, ainda, com os embates entre diferentes projetos de desenvolvimento para o país nas eleições de 2010, onde as elites conservadoras, representadas pelo capital financeiro, os grandes meios de comunicação e os setores neoliberais organizados, tentam recuperar a hegemonia de décadas atrás e bloquear as mudanças que estão em curso no Brasil. A garantia de manutenção dos direitos e conquistas da luta de combate ao racismo desde a constituição de 1988 (Lei Caó, Art.68) e dos oito anos de governo do Presidente Lula deve ser o ponto de unidade entre as várias correntes de pensamento presentes no movimento negro brasileiro, em que pese as diferentes compreensões sobre a recente aprovação do Estatuto da Igualdade Racial. No imediato para a CONEN está colocada a luta pela manutenção da constitucionalidade do Decreto 4.887/2003 que trata da regulamentação das terras das comunidades quilombolas, que está sendo questionado pelo Partido dos Democratas (DEM) através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no Supremo Tribunal Federal (STF), que visa paralisar os procedimentos de titulação das terras quilombolas.A CONEN, também, está exigindo do Governo Federal, em particular da SEPPIR, o mesmo empenho demonstrado em relação à votação do Estatuto da Igualdade Racial para convencer os senadores pela imediata votação do PLC 180/08 que regulamenta as cotas raciais em universidades públicas brasileiras. Foi com esse objetivo que a CONEN participou da audiência pública sobre a Constitucionalidade de Políticas de Ação Afirmativa de acesso ao Ensino Superior, realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no mês de março de 2010. Para a CONEN consolidar as mudanças dos últimos anos, ampliar as conquistas e impedir qualquer retrocesso deve ser o horizonte dos homens e mulheres que lutam contra o racismo no Brasil. A sanção do Estatuto da Igualdade Racial está prevista para o dia 20 de Julho de 2010. Para um diálogo sobre o momento político e as perspectivas da luta de Combate ao Racismo e de Promoção da Igualdade Racial no Brasil a CONEN está propondo ao Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que receba as representações do Movimento Negro brasileiro em audiência antes de sancionar o Estatuto aprovado. A CONEN pode e deve contribuir na construção dessa Agenda.


COORDENAÇÃO NACIONAL DE ENTIDADES NEGRAS - CONEN

DIREÇÃO NACIONAL DA CONEN - BRASIL, 01 DE JULHO DE 2010

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